Os
seres humanos convivem em sociedade e, reconhecem sua individualidade a partir
de sua pertença a um determinado grupo, no qual constrói a própria
personalidade e adquire o modo de ver o ambiente em que se vive, o modo de
perceber e conceber a natureza que o cerca, de pensar o mundo em volta com suas
questões sociais, culturais, éticos, etc. A vida social é tão fundamental ao
ser humano para a construção da subjetividade e de transformação do ambiente por
meio de atividades laborativas e aquisição de novos conhecimentos, tanto que
alguns pensadores defenderam a definição do ser humano como ser social. Mesmo
os indivíduos que optaram a viver isoladamente nos desertos e nos bosques,
escolheram esse modo de vida a partir de princípios e valores de seu contexto
social que lhe permitiram confrontar com o mundo em volta, de aceitar como
válidos alguns costumes e rejeitar outros e, se decidir por uma vida eremítica,
até mesmo como uma crítica moral de vida da sociedade a que pertence.
Entretanto,
os seres humanos enquanto indivíduos sentem desejos e apresentam vontades que
entram em choque com outros indivíduos que direcionam os desejos ao mesmo
objeto; também é causa de muitos conflitos entre os indivíduos quando uma
pessoa procura submeter a outra para satisfazer a vontade de poder, e o outro
reage a tentativa de ser submetido ao domínio alheio. Muito desses conflitos se
tornam agressivos, com um indivíduo num impulso violento procura retirar a vida
do outro para livremente atender seus apetites e, o outro busca se defender
como instinto natural de sobrevivência. Refletindo sobre a condição humana de
vida em sociedade, que pensadores como Hobbes, Locke e Rousseau analisaram o
fundamento da formação do Estado, com seu conjunto de leis que reconhece os
direitos naturais dos indivíduos e, os protege contra a violência e
arbitrariedade, controlando os impulsos agressivos para se tornar possível a
vida humana e, regulamentar a convivência em sociedade. Diante dessa questão se
pode refletir sobre a importância da elaboração de leis e da legitimidade ao
seu cumprimento, de descumprimento caso uma lei entrar em conflito com outra e
se julgar que é legítimo descumprir alguma norma em nome de um bem maior,
interesse da maioria ou de causar um dano menor. Há também de se considerar que
reconhecimento de uma lei não é garantia de que sua legitimação se torne
perene. Em outros momentos históricos podem se tornar obsoleta algumas normas
legais; há também leis que numa sociedade são vistas como legítimas, podem se
tornar atitudes criminosas num outro contexto histórico.
Interessante
para nossa reflexão é a informação histórica da elaboração escrita do primeiro
código de lei que se tem conhecimento. E, esse código foi elaborado pelo rei
Hamurab, na antiguidade da história humana, com a finalidade de proteger o mais
fraco contra o poder arbitrário do mais forte. Ao observar o comportamento
social de seus súditos, Hamurab concluiu que era necessário criar normas legais
para proteger os mais fracos e, e estabeleceu um código que seguia o princípio
da lei do talião, que seria a aplicação da justiça olho por olho e dente por
dente, para que os mais fortes pudessem ser punidos pela mesma medida do dano
causado aos mais fracos. Com passar dos séculos, este código passou a sofrer
diversas críticas, pois com as mudanças dos contextos sociais e políticos, a
aplicação da lei do talião já não defendia o interesse dos mais fracos contra
os mais fortes. Exemplo disso é a crítica bíblica de Jesus à sociedade em que
vivia, em que a aplicação do olho por olho e dente por dente fomentava o desejo
de vingança e, colocava as exigências religiosas dos mais ricos em detrimento
aos mais pobres, em que se cobrava pelos ritos religiosos o mesmo valor para se
tornar legalmente reconhecido como puros, no qual os mais pobres não tinham
condições de custear e, por conta disso, eram sempre posicionados às margens
daquela sociedade estabelecida. Apesar, que para os chamados fariseus e
escribas, os conhecedores da lei, a aplicação da lei era justa por ser igual a
todos.
Em
falar de aplicação justa da lei, as leis têm como princípio a concretização da
justiça desde os períodos antigos da história a atualidade de nossa
civilização. Na Grécia Antiga, muitos filósofos debateram sobre a definição do
conceito de justiça. Uma obra que se destacou sobre essa discussão foi A
República, de Platão. Aristóteles definiu a justiça por meio de uma balança, no
qual a medida tinha que ser meio a meio para que o equilíbrio fosse mantido. Na
Bíblia, o termo justiça aparece como definição da ação divina em defesa de seu
povo, de seus eleitos ou dos pobres, em que a base fundamental para
compreendê-la na cultura judaica é o princípio legislativo do decálogo. E, em
nossa sociedade a justiça é buscada a partir do reconhecimento formal das leis,
em que todos se vêem como iguais sem acepção de pessoas para sua
regulamentação. Entretanto, com o desenvolvimento dos povos, algumas leis
consideradas legítimas há anos e/ou séculos atualmente são definidas como
injustas e ilegítimas e vice-versa. Exemplo de lei que era legítima, mas
considerada crime atualmente é a escravidão. Na antiguidade era legítimo e até
considerado necessário o pai de família e proprietário de terra possuir
escravos adquiridos por meio de aquisição de prisioneiros de guerra, cobrança
de dívidas de devedores pobres, ou de relação de compra e venda de pessoas
cativas com a finalidade de compor o mercado escravagista. Com a crise das
relações sociais numa visão de mundo dividido entre homens livres e escravos, a
escravidão foi aos poucos perdendo sua legitimação legal ao ponto de se tornar
atitude criminosa. O que antes já foi visto como justo atualmente é visto como
algo criminoso.
Apesar
desse exemplo ilustrar que algo que era justo e hoje é claramente visto como
injusto, muitas leis não são simples de definir sua continuada legitimação ou
perde sua força de se fazer reconhecida e, se tornar obsoleta ou mesmo injusta.
E, atualmente tem se tornado mais complexo a identificação da lei como justa ou
injusta por conta das variedades de interpretações e percepções da moral que
rege a sociedade, por ser ela marcada por fragmentações de grupos humanos com
diversas concepções individuais de definição de justiça, apresentando
diferentes princípios éticos. Com a transformação político-social iniciado com
as revoluções que marcaram a construção da sociedade moderna, os direitos
individuais passaram a ser proclamados e reconhecidos. Porém, com eles as
diversas interpretações em sua concretização que perduram e se expandem até
hoje. Se analisarmos a liberdade de expressão, podemos perceber como os
juristas e demais profissionais da área jurídica e do direito se debatem para
definir o que é essa liberdade e, limitar até que ponto é legítimo seu
reconhecimento moral e encontram dificuldades a se chegar a um consenso
concreto. Na prática do mundo atual, se percebe que em tempo da cibernética as
barreiras limitadoras se perdem na conservação de suas funções, por não mais
saber quais os princípios éticos basilares atuais que os indivíduos se baseiam
para se ter referências de uma legitimidade ou não de uma lei.
Portanto,
a dificuldade para conservar a sociedade organizada na atualidade se passa por
encontrar a possibilidade de alcançar o consenso dos indivíduos para reconhecer
que princípios são fundamentais para a convivência num mundo marcado por
fragmentos de grupos e pensamentos. Na convivência cotidiana se reparar, por
exemplo, quando grupos de pessoas resolvem na rua ligar o som alto e juntar
amigos para fazer festa na rua cercada de residências, mas não considerando que
isso causa transtornos aos vizinhos. E mesmo havendo uma lei que limita essa
prática, essas pessoas apresentam argumentos para justificar a legitimidade de
fazer barulho. Exemplo simples, mas ilustra o drama tratado nesta reflexão.