segunda-feira, 15 de maio de 2017

QUE CRITÉRIO PARA LEGITIMAR APLICAÇÃO DA LEI

Os seres humanos convivem em sociedade e, reconhecem sua individualidade a partir de sua pertença a um determinado grupo, no qual constrói a própria personalidade e adquire o modo de ver o ambiente em que se vive, o modo de perceber e conceber a natureza que o cerca, de pensar o mundo em volta com suas questões sociais, culturais, éticos, etc. A vida social é tão fundamental ao ser humano para a construção da subjetividade e de transformação do ambiente por meio de atividades laborativas e aquisição de novos conhecimentos, tanto que alguns pensadores defenderam a definição do ser humano como ser social. Mesmo os indivíduos que optaram a viver isoladamente nos desertos e nos bosques, escolheram esse modo de vida a partir de princípios e valores de seu contexto social que lhe permitiram confrontar com o mundo em volta, de aceitar como válidos alguns costumes e rejeitar outros e, se decidir por uma vida eremítica, até mesmo como uma crítica moral de vida da sociedade a que pertence.
Entretanto, os seres humanos enquanto indivíduos sentem desejos e apresentam vontades que entram em choque com outros indivíduos que direcionam os desejos ao mesmo objeto; também é causa de muitos conflitos entre os indivíduos quando uma pessoa procura submeter a outra para satisfazer a vontade de poder, e o outro reage a tentativa de ser submetido ao domínio alheio. Muito desses conflitos se tornam agressivos, com um indivíduo num impulso violento procura retirar a vida do outro para livremente atender seus apetites e, o outro busca se defender como instinto natural de sobrevivência. Refletindo sobre a condição humana de vida em sociedade, que pensadores como Hobbes, Locke e Rousseau analisaram o fundamento da formação do Estado, com seu conjunto de leis que reconhece os direitos naturais dos indivíduos e, os protege contra a violência e arbitrariedade, controlando os impulsos agressivos para se tornar possível a vida humana e, regulamentar a convivência em sociedade. Diante dessa questão se pode refletir sobre a importância da elaboração de leis e da legitimidade ao seu cumprimento, de descumprimento caso uma lei entrar em conflito com outra e se julgar que é legítimo descumprir alguma norma em nome de um bem maior, interesse da maioria ou de causar um dano menor. Há também de se considerar que reconhecimento de uma lei não é garantia de que sua legitimação se torne perene. Em outros momentos históricos podem se tornar obsoleta algumas normas legais; há também leis que numa sociedade são vistas como legítimas, podem se tornar atitudes criminosas num outro contexto histórico.

Interessante para nossa reflexão é a informação histórica da elaboração escrita do primeiro código de lei que se tem conhecimento. E, esse código foi elaborado pelo rei Hamurab, na antiguidade da história humana, com a finalidade de proteger o mais fraco contra o poder arbitrário do mais forte. Ao observar o comportamento social de seus súditos, Hamurab concluiu que era necessário criar normas legais para proteger os mais fracos e, e estabeleceu um código que seguia o princípio da lei do talião, que seria a aplicação da justiça olho por olho e dente por dente, para que os mais fortes pudessem ser punidos pela mesma medida do dano causado aos mais fracos. Com passar dos séculos, este código passou a sofrer diversas críticas, pois com as mudanças dos contextos sociais e políticos, a aplicação da lei do talião já não defendia o interesse dos mais fracos contra os mais fortes. Exemplo disso é a crítica bíblica de Jesus à sociedade em que vivia, em que a aplicação do olho por olho e dente por dente fomentava o desejo de vingança e, colocava as exigências religiosas dos mais ricos em detrimento aos mais pobres, em que se cobrava pelos ritos religiosos o mesmo valor para se tornar legalmente reconhecido como puros, no qual os mais pobres não tinham condições de custear e, por conta disso, eram sempre posicionados às margens daquela sociedade estabelecida. Apesar, que para os chamados fariseus e escribas, os conhecedores da lei, a aplicação da lei era justa por ser igual a todos.
Em falar de aplicação justa da lei, as leis têm como princípio a concretização da justiça desde os períodos antigos da história a atualidade de nossa civilização. Na Grécia Antiga, muitos filósofos debateram sobre a definição do conceito de justiça. Uma obra que se destacou sobre essa discussão foi A República, de Platão. Aristóteles definiu a justiça por meio de uma balança, no qual a medida tinha que ser meio a meio para que o equilíbrio fosse mantido. Na Bíblia, o termo justiça aparece como definição da ação divina em defesa de seu povo, de seus eleitos ou dos pobres, em que a base fundamental para compreendê-la na cultura judaica é o princípio legislativo do decálogo. E, em nossa sociedade a justiça é buscada a partir do reconhecimento formal das leis, em que todos se vêem como iguais sem acepção de pessoas para sua regulamentação. Entretanto, com o desenvolvimento dos povos, algumas leis consideradas legítimas há anos e/ou séculos atualmente são definidas como injustas e ilegítimas e vice-versa. Exemplo de lei que era legítima, mas considerada crime atualmente é a escravidão. Na antiguidade era legítimo e até considerado necessário o pai de família e proprietário de terra possuir escravos adquiridos por meio de aquisição de prisioneiros de guerra, cobrança de dívidas de devedores pobres, ou de relação de compra e venda de pessoas cativas com a finalidade de compor o mercado escravagista. Com a crise das relações sociais numa visão de mundo dividido entre homens livres e escravos, a escravidão foi aos poucos perdendo sua legitimação legal ao ponto de se tornar atitude criminosa. O que antes já foi visto como justo atualmente é visto como algo criminoso.
Apesar desse exemplo ilustrar que algo que era justo e hoje é claramente visto como injusto, muitas leis não são simples de definir sua continuada legitimação ou perde sua força de se fazer reconhecida e, se tornar obsoleta ou mesmo injusta. E, atualmente tem se tornado mais complexo a identificação da lei como justa ou injusta por conta das variedades de interpretações e percepções da moral que rege a sociedade, por ser ela marcada por fragmentações de grupos humanos com diversas concepções individuais de definição de justiça, apresentando diferentes princípios éticos. Com a transformação político-social iniciado com as revoluções que marcaram a construção da sociedade moderna, os direitos individuais passaram a ser proclamados e reconhecidos. Porém, com eles as diversas interpretações em sua concretização que perduram e se expandem até hoje. Se analisarmos a liberdade de expressão, podemos perceber como os juristas e demais profissionais da área jurídica e do direito se debatem para definir o que é essa liberdade e, limitar até que ponto é legítimo seu reconhecimento moral e encontram dificuldades a se chegar a um consenso concreto. Na prática do mundo atual, se percebe que em tempo da cibernética as barreiras limitadoras se perdem na conservação de suas funções, por não mais saber quais os princípios éticos basilares atuais que os indivíduos se baseiam para se ter referências de uma legitimidade ou não de uma lei.
Portanto, a dificuldade para conservar a sociedade organizada na atualidade se passa por encontrar a possibilidade de alcançar o consenso dos indivíduos para reconhecer que princípios são fundamentais para a convivência num mundo marcado por fragmentos de grupos e pensamentos. Na convivência cotidiana se reparar, por exemplo, quando grupos de pessoas resolvem na rua ligar o som alto e juntar amigos para fazer festa na rua cercada de residências, mas não considerando que isso causa transtornos aos vizinhos. E mesmo havendo uma lei que limita essa prática, essas pessoas apresentam argumentos para justificar a legitimidade de fazer barulho. Exemplo simples, mas ilustra o drama tratado nesta reflexão.

É OU PARECE SER

A vida e suas disputas. Hoje me vi cantando uma canção de Renato Russo que diz que tudo que é demais não é o bastante, que a primeira vez é ...