quarta-feira, 9 de agosto de 2017

VENEZUELA E O MUNDO


Na Venezuela foi realizada uma eleição de consulta popular a respeito da formação da Assembleia Constituinte.Em meio a diversos protestos organizados pela oposição ao governo, o presidente Nicolás Maduro dissolveu o parlamento há alguns meses, no qual a maioria dos parlamentares eram opositores, para poder iniciar o rito de constituição dessa assembleia. Por outro lado, os jornais noticiam constantemente atos de violência nas cidades venezuelanas, em que de um lado se concentram os grupos que protestam contra o governo de Maduro e, e de outro a segurança estatal que reprime as ações dos manifestantes. Neste caos a situação econômica se encontra num declínio de recursos básicos para a sobrevivência. Faltam alimentos nos mercados e medicamentos nas farmácias. A escalada de desemprego cresce e, inseridos nestas circunstâncias, milhares de venezuelanos migraram para a fronteira brasileira em busca de recursos alimentícios ou emprego. Muitas são as incertezas para onde caminhará este país, numa explosão de conflitos, dos que confiam nas propostas do governo e dos quais querem sua saída do poder.

Como costuma ocorrer no cenário internacional em semelhantes ocorrências, diversos países e instituições internacionais manifestaram repúdio as decisões do governo Maduro. Mas, Bolívia, Rússia, Cuba e Equador se posicionaram defendendo-o. Entre os grupos que se opõem ao presidente venezuelano, o presidente dos EUA, Donald Trump, foi o mais rígido e duro e, anunciou que vetará cidadãos americanos a fechar negócios com Venezuela e, defendeu que sanções econômicas sejam tomadas enquanto perdurar essa situação política. A ONU, principal organismo político internacional tem feito discursos condenatórios às decisões de Maduro.

Por outro lado, o grupo de países que apoiaram o governo venezuelano argumenta que se deve defender a soberania do país, e que a vontade de seus cidadãos devem ser respeitada e resguardada. E, aproveitou também para acusar os EUA de se utilizar de sua política internacional intervencionista, que promovem o colapso econômico dos países que não entram em sua dinâmica de negócios em busca de atender os próprios interesses. No caso do Brasil, a postura oficial foi de repúdio a Maduro, mas o principal partido de esquerda, o PT, na fala da senadora e atual presidente desse partido, foi de apoio, entendendo que seu governo sofre perseguição de uma onda conservadora que está desmontando os governos mais populares da América do Sul, exemplo disso foi a movimentação parlamentares para arquitetar o impeachment da presidente Dilma Roussef.

Diante disso que caminho Venezuela irá trilhar? Especialistas em ciências políticas apresentam diversos pareceres que são possibilidades de se suceder. Pode ser que Maduro abra mão de sua radicalidade política e abdique de parcelas de seu plano político para negociar com as grandes forças do capital para atrair ao menos produtos mais fundamentais que se encontram escassos.Se for levar em consideração que nos tempos atuais é muito difícil uma nação se manter numa postura política de autossuficiência e se fechar ao grande capital, principalmente às grandes nações. Mas, mesmo com essa dificuldade pode ser que ele mantenha firme em seu propósito de defender as riquezas do solo venezuelano, principalmente o petróleo contra a avidez do capitalismo internacional, que as compram a preço baixo e com elas, aumentam sua fortuna.

Vale ressaltar o que sabemos a respeito da situação atual da Venezuela nos chega por meio dos grandes veículos de comunicação. As grandes emissoras selecionam o que publicar e como publicar seguindo uma política rígida de divulgação das informações que dificilmente se dá para crer que é somente escolha técnica e imparcial. E, com as mídias sociais que cresceram de forma avassaladora e descontrolada que bombardeiam a população de informações que mais a confundem que a informam dos fatos e situações. E, pela postura dos jornalistas das grandes emissoras, sutilmente se percebe que eles defendem a ação de isolar a Venezuela enquanto Maduro estiver no governo e, isso significa que ela deve ser retirada da Mercosul.

Também vale destacar que entre as nações que saíram em defesa do presidente venezuelano são as tendências de governos ou nações que seguem a visão ideológica socialista. No caso da Rússia muitos especialistas poderão argumentar que ela deixou de ser socialista desde a queda do Muro de Berlim e a desconfiguração da URSS. Mas, se levarmos em conta que de 1989 para cá são apenas 28 anos, isso é um período histórico curto para apagar as marcas da Guerra Fria e, de uma postura político ideológica de uma nação.

Será que nesse embate entre os partidários de Maduro e opositores suas posições são motivadas apenas por questões humanitárias sem embate de interesses econômicos e ideológicos por detrás desses discursos? Será que é o capitalismo busca crescer desenfreadamente e há grupos que querem por um freio?


quinta-feira, 3 de agosto de 2017

TRAUMAS DA VIOLÊNCIA URBANA


Odranoel, 37 anos, ao sair do trabalho e trilhar o caminho para casa foi atingindo por um tiro de fuzil nas pernas, num ponto de ônibus na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Esse incidente se deu em maio de 2017. Desde então iniciou-se seu calvário. Dois meses e meio ele esteve internado no hospital para o tratamento da ferida, e após a alta hospitalar, passou para nova etapa do tratamento com sessões de fisioterapia que permanecerá por meses. Por conta disso, Odranoel foi afastado de seu emprego e, só depois de finalizar o tratamento que poderá avaliar em que condições físicas voltará a trabalhar. Além disso, se deve acrescentar que essa munição não fere apenas o sujeito atingido por ela, mas também as pessoas próximas e a população que convive diariamente com a sensação de insegurança, de que algo trágico poderá acontecer a qualquer momento.
A narrativa acima é de uma de milhares de vítimas que o conflito armado no Rio de Janeiro produziu nesses anos sombrios de guerra civil (não reconhecida oficialmente como essa característica). E, uma vítima atingida por arma de fogo não sofre trauma somente em seu físico, mas também em sua interioridade a ferida é aberta, e que muito lenta é o processo de cicatrização. Isso deixa manifesto que as marcas da violência se amplia e se estende a cada vez que os conflitos se intensificam, se tornando mais complexo confrontá-los em busca de saídas para solucionar essa situação.
Nesse tempo tenebroso, parentes, familiares e membros de organizações sociais realizaram uma caminhada pelo calçadão de Copacabana, Rio de Janeiro, pedindo paz para esta cidade e justiça para a memória dos policiais mortos em combate ao crime organizado ou exterminados pelo fato de ser reconhecidos como policiais, servidores da segurança do Estado. Foram inúmeras vítimas que tornaram alarmantes por conta de constante insegurança. Frequentemente, membros da corporação da polícia militar, recrutas do crime organizado se exterminam mutuamente ou atingem civis em meio a intensas trocas de tiros, numa disputa entre o domínio de áreas por determinada facção criminosa ou a retomada do controle do Estado de desses mesmos espaços urbanos. E, a ampliação desses conflitos, que moroso para se chegar a uma trégua, estende a crise política, social e econômica, em que o Estado está em contínua perda da força legitimadora de garantia da proteção dos cidadãos e de zelo pelo cumprimento da lei, num cenário moral destroçado pelo princípio primitivo da prevalência do mais forte sobre o mais fraco.
E, por conta dos conflitos armados diversas escolas interromperam as aulas por evitar colocar alunos e funcionários em riscos, crianças traumatizadas por conta dos ruídos de impactos das munições, profissionais de saúde mesmo mal remunerados e com salários atrasados se adaptaram para realizar atendimentos de pacientes semelhantes aos locais de guerras armadas de outras localidades do mundo por necessitar atender constantemente pacientes perfurados por armas de fogo, e eles mesmos receosos de serem os próximos pacientes. Isso é apenas para mostrar que o Estado está numa situação decadente, com representantes do poder público que não contam com a confiança da população por causa das denúncias de desvios de verbas públicas e recebimentos ilícitos de dinheiro de empresas privadas. A sociedade a cada dia se demonstra sem limites de parâmetros éticos para moldar atitudes morais de convivência social, que no cotidiano se impera um individualismo hedonista, que entrando em relação com outros indivíduos entram em choque, que consequentemente constrói a sensação de que confrontar com o outro não é mais encontro humano, mas é passear num campo minado que a qualquer momento poderá explodir e levar essa convivência pelos ares. Assim se pode estourar em qualquer briga entre pessoas que podem matar o outro por qualquer motivo trivial.
E, assim inseguro, traumatizado e com a alma armada segue a população. Se sente caminhando em campo minado que interfere até nas relações familiares. Quantas notícias há de explosões de violência nos espaços sociais e, também nos espaços familiares. Compreende-se assim como as munições de armas de fogo podem causar na vida das pessoas quando são disparadas.

terça-feira, 25 de julho de 2017

CONDENAÇÃO DO EX-PRESIDENTE LULA: AÇÃO JURÍDICA OU POLÍTICA?


O cenário político atual no Brasil é noticiado pelos variados meios de comunicação como esfera de corrupção generalizada, com diversos personagens políticos dos múltiplos partidos e correntes ideológicas envolvidos em ações fraudulentas e criminosas. Muitos líderes de partidos, quando se apresentam diante das câmeras de TV para defender algum correligionário denunciado ou membro de partido aliado sempre apontam motivos políticos para as acusações de corrupção, a confiança da inocência do acusado e que os fatos serão esclarecidos para a população. Porém, quando a acusação se torna insustentável para desta se defender, se negocia entre os membros do próprio partido e dos partidos aliados o afastamento do acusado do cargo político para evitar desgaste ao governo ou ao grupo parlamentar de oposição e preservar a legenda partidária. Pela mídia é divulgada a exaustão os diversos casos de corrupção, que com o tempo o que era para ser canal de informação ao telespectador, se torna um meio para confundi-lo. E, com um pouco mais do passar do tempo essas notícias são relegadas ao esquecimento, que só alguns intelectuais e cidadãos mais atentos recordam dessas ocorrências e, conseguem fazer a ligação de um fato com o outro.
E, nesses dias a notícia da condenação do ex-presidente Lula de 9 anos e meio de prisão, acusado de receber como propina da construtora OAS um apartamento tríplex em Guarujá e um sítio em Atibaia, ambas cidades do Estado de São Paulo, causou agitação no mundo da política e da militância partidária e movimentos sociais. Líderes de movimentos sociais e de partidos de esquerda organizaram atos de repúdio à condenação de Lula e, de apoio a ele. Eles alegam a inocência do ex- presidente e a parcialidade do Juiz Sergio Moro na condução do processo que o condenou. Entretanto, há uma parcela significativa de membros desses partidos e movimentos sociais que têm se mostrado descontente com algumas mudanças de rumo dessas instituições, e receosos de ter feitos papel dos animais da fazenda da obra A Revolução dos Bichos, de George Orwell durante o governo petista.
Nessa obra os animais da fazenda realizaram sob a liderança dos porcos a revolução no qual expulsaram os humanos desta terra. Os porcos, por meio da construção de um aparelho burocrático, anunciavam a libertação, manipulavam as informações reais e inventavam diversas acusações de conspirações para executar os seus inimigos. Essa libertação, a nova era de prosperidade na realidade era a nova liderança de opressores que manipulavam os demais animais para aderir à própria condição de explorados como se fosse liberdade. E, muitos membros dos partidos de esquerda e movimentos sociais desconfiam de estar em semelhantes condições desses animais.
Também se deve considerar que os membros de partidos de direita se mobilizaram em busca de favorecer-se com a condenação de Lula. Procuram tirar vantagens para se apresentarem à população como a imagem de que em suas mãos a corrupção será combatida. Entretanto, eles encontram dificuldades por causa de muitos deles se encontrarem denunciados por diversas fraudes e crimes. Por isso, se compreende que essa estratégia terá obstáculos para poder legitimamente se sustentar.
A grande massa populacional, a maioria dos votantes, não é engajada em partidos políticos e nem em movimentos sociais. Essa parcela se encontra insatisfeita com a classe política e desmotivada em debater questões políticas e de se apresentar às urnas para votar. Caso a lei da obrigatoriedade do voto fosse revogada, a abstinência de votos seria significativamente maior que às constatadas nas últimas eleições. Muitos votantes aleatoriamente escolhem seus candidatos de última hora só para cumprir a obrigação legal. A porcentagem de votos em branco e nulos cresce em cada pleito. E, Para esse público a condenação de Lula soou como mais um membro da classe política que se corrompeu no exercício do mandato político.
Contudo, se deve também levar em conta é que Lula foi o presidente do Brasil mais popular no cenário internacional. Grandes revistas e jornais dos países desenvolvidos elogiavam a política econômica e social de seu governo, que alavancou a economia brasileira e, com os programas sociais reduziu o índice da pobreza dos brasileiros. E, hoje ele se encontra atravessando uma fase delicada na sua trajetória histórica enquanto ser político e na sua vida pessoal, como Luís Inácio. E, diante deste embate o que se contará de sua história às futuras gerações? Presidente Lula condenado por motivações políticas? E, seu governo será lembrado com força positiva ou negativa para o desenvolvimento do Brasil?

segunda-feira, 17 de julho de 2017

REFORMA TRABALHISTA E IDEOLOGIA



Em julho de 2017 a Reforma trabalhista foi sancionada no Brasil, após intensos debates ocorridos no Congresso Nacional, nos espaços de representação empresarial; e também após ocorrências de manifestações de movimentos sociais. Estes declaradamente contrários a esta reforma. Foram nas ruas que os movimentos sociais organizaram diversas manifestações, muitas destas de amplitude nacional, argumentando que essa modificação legislativa reduziria drasticamente os direitos trabalhistas, que vigora no país desde a promulgação da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) pelo Presidente Getúlio Vargas. Graças à promulgação da CLT, os direitos sociais foram finalmente reconhecidos no Brasil, marcando uma nova fase nas lutas da classe trabalhadora e da estrutura dos sindicatos que foram atrelados ao Ministério do Trabalho. Houve trabalhadores que satisfeitos com as mudanças legais da relação capital e trabalho proclamaram Presidente Getúlio Vargas como pai dos pobres. Porém, O Pai dos pobres havia um projeto político de industrializar o país, seguindo o modelo desenvolvista de acordo com os ditames da economia internacional e, para isso era urgente um novo tipo de operariado, pronto para uma nova relação de produção industrial e vida urbana.
Interessante ressalta que a partir da promulgação da CLT, o operário brasileiro passou a ter um documento emitido pelo Ministério do Trabalho, a Carteira de Trabalho e Previdência Social. Na época do Regime Militar, esse documento era fundamental para o trabalhador ser reconhecido como cidadão de direto e, a vadiagem considerada um crime. Se a vadiagem continuasse a ser considerada legalmente crime, muitos brasileiros deveriam se explicar nas delegacias o por que desta suposta prática de vadiagem. Nessa situação há um grande dilema, por exemplo: muitas pessoas utilizam a prática de pedir esmolas como meio de vida, até o ponto de construir residência, pagar um bom plano de saúde e adquirir automóveis, mas há os que necessitam por se encontrar na indigência. Por outro lado, há a questão da República Federativa do Brasil não garantir mais a política do pleno emprego, que era a proposta de política social do Regime Militar, quando assumiu a estruturação do modelo industrial fordista. Será que a população deveria denunciar essa nação às cortes internacionais?
Em mencionar o pleno emprego, alguns parlamentares e o Presidente Michel Temer afirmam que a Reforma Trabalhista é necessária para o Brasil voltar a gerar empregos. Com sua promulgação, os empresários voltariam a investir no país e ter segurança legal em contratar os trabalhadores. Mas, ficam interrogações a respeito do real motivo dos empresários ter deixado de aplicar recursos financeiros no país e, se os direitos trabalhistas eram o espantalho dos empresários ou se empresários foram e continuam sendo os monstros de filme de terror dos trabalhadores, com sua avidez de acumular maior lucro e remunerar menos os operários. Ah! Também se deve considerar a corrupção gritante no país, com as denúncias frequentes noticiadas na mídia jornalística, envolvendo muitos membros da classe política, membros do judiciário, empresários e servidores públicos. Além disso, há as diversas atitudes corruptas que os cidadãos comuns cometem diariamente, num costume moral de disseminação da cultura de se levar vantagem em relação aos outros em qualquer embate e negociação.
Diante disso, o que se pode apreender que de fato há grupos que buscam atender seus interesses com a promulgação da Reforma Trabalhista e, também aqueles que não a vejam como vantajoso aos seus, mas os reais motivos se encontram ocultos e, seus discursos lhes mantém assim. A ocultação dos reais interesses é uma prática desde a antiguidade da história humana, em que oradores e pregadores nas mais diferentes esferas, como política, educacional, social e religioso utilizam da retórica para convencer os ouvintes de aderir suas ideias e planos, entretanto, seus interesses e desejos reais não são manifestados nos discursos. Os pronunciamentos em torno da Reforma Trabalhista seguem a mesma lógica. Mas, quais são os reais interesses? Isso se deve averiguar, por ser encoberto em meio a tantos planos, palavras e dissimulações da vida social, entre apertos de mãos, abraços e encontros sociais. Um filósofo dizia que o universo é um livro aberto e que as estrelas e astros são suas letras a ser desvendadas; e assim os reais interesses são manifestados nos próprios discursos e atitudes que os ocultam e, são seus signos para ser revelados e esclarecidos por meio de uma investigação.
Enquanto isso, vamos caminhando.





segunda-feira, 15 de maio de 2017

QUE CRITÉRIO PARA LEGITIMAR APLICAÇÃO DA LEI

Os seres humanos convivem em sociedade e, reconhecem sua individualidade a partir de sua pertença a um determinado grupo, no qual constrói a própria personalidade e adquire o modo de ver o ambiente em que se vive, o modo de perceber e conceber a natureza que o cerca, de pensar o mundo em volta com suas questões sociais, culturais, éticos, etc. A vida social é tão fundamental ao ser humano para a construção da subjetividade e de transformação do ambiente por meio de atividades laborativas e aquisição de novos conhecimentos, tanto que alguns pensadores defenderam a definição do ser humano como ser social. Mesmo os indivíduos que optaram a viver isoladamente nos desertos e nos bosques, escolheram esse modo de vida a partir de princípios e valores de seu contexto social que lhe permitiram confrontar com o mundo em volta, de aceitar como válidos alguns costumes e rejeitar outros e, se decidir por uma vida eremítica, até mesmo como uma crítica moral de vida da sociedade a que pertence.
Entretanto, os seres humanos enquanto indivíduos sentem desejos e apresentam vontades que entram em choque com outros indivíduos que direcionam os desejos ao mesmo objeto; também é causa de muitos conflitos entre os indivíduos quando uma pessoa procura submeter a outra para satisfazer a vontade de poder, e o outro reage a tentativa de ser submetido ao domínio alheio. Muito desses conflitos se tornam agressivos, com um indivíduo num impulso violento procura retirar a vida do outro para livremente atender seus apetites e, o outro busca se defender como instinto natural de sobrevivência. Refletindo sobre a condição humana de vida em sociedade, que pensadores como Hobbes, Locke e Rousseau analisaram o fundamento da formação do Estado, com seu conjunto de leis que reconhece os direitos naturais dos indivíduos e, os protege contra a violência e arbitrariedade, controlando os impulsos agressivos para se tornar possível a vida humana e, regulamentar a convivência em sociedade. Diante dessa questão se pode refletir sobre a importância da elaboração de leis e da legitimidade ao seu cumprimento, de descumprimento caso uma lei entrar em conflito com outra e se julgar que é legítimo descumprir alguma norma em nome de um bem maior, interesse da maioria ou de causar um dano menor. Há também de se considerar que reconhecimento de uma lei não é garantia de que sua legitimação se torne perene. Em outros momentos históricos podem se tornar obsoleta algumas normas legais; há também leis que numa sociedade são vistas como legítimas, podem se tornar atitudes criminosas num outro contexto histórico.

Interessante para nossa reflexão é a informação histórica da elaboração escrita do primeiro código de lei que se tem conhecimento. E, esse código foi elaborado pelo rei Hamurab, na antiguidade da história humana, com a finalidade de proteger o mais fraco contra o poder arbitrário do mais forte. Ao observar o comportamento social de seus súditos, Hamurab concluiu que era necessário criar normas legais para proteger os mais fracos e, e estabeleceu um código que seguia o princípio da lei do talião, que seria a aplicação da justiça olho por olho e dente por dente, para que os mais fortes pudessem ser punidos pela mesma medida do dano causado aos mais fracos. Com passar dos séculos, este código passou a sofrer diversas críticas, pois com as mudanças dos contextos sociais e políticos, a aplicação da lei do talião já não defendia o interesse dos mais fracos contra os mais fortes. Exemplo disso é a crítica bíblica de Jesus à sociedade em que vivia, em que a aplicação do olho por olho e dente por dente fomentava o desejo de vingança e, colocava as exigências religiosas dos mais ricos em detrimento aos mais pobres, em que se cobrava pelos ritos religiosos o mesmo valor para se tornar legalmente reconhecido como puros, no qual os mais pobres não tinham condições de custear e, por conta disso, eram sempre posicionados às margens daquela sociedade estabelecida. Apesar, que para os chamados fariseus e escribas, os conhecedores da lei, a aplicação da lei era justa por ser igual a todos.
Em falar de aplicação justa da lei, as leis têm como princípio a concretização da justiça desde os períodos antigos da história a atualidade de nossa civilização. Na Grécia Antiga, muitos filósofos debateram sobre a definição do conceito de justiça. Uma obra que se destacou sobre essa discussão foi A República, de Platão. Aristóteles definiu a justiça por meio de uma balança, no qual a medida tinha que ser meio a meio para que o equilíbrio fosse mantido. Na Bíblia, o termo justiça aparece como definição da ação divina em defesa de seu povo, de seus eleitos ou dos pobres, em que a base fundamental para compreendê-la na cultura judaica é o princípio legislativo do decálogo. E, em nossa sociedade a justiça é buscada a partir do reconhecimento formal das leis, em que todos se vêem como iguais sem acepção de pessoas para sua regulamentação. Entretanto, com o desenvolvimento dos povos, algumas leis consideradas legítimas há anos e/ou séculos atualmente são definidas como injustas e ilegítimas e vice-versa. Exemplo de lei que era legítima, mas considerada crime atualmente é a escravidão. Na antiguidade era legítimo e até considerado necessário o pai de família e proprietário de terra possuir escravos adquiridos por meio de aquisição de prisioneiros de guerra, cobrança de dívidas de devedores pobres, ou de relação de compra e venda de pessoas cativas com a finalidade de compor o mercado escravagista. Com a crise das relações sociais numa visão de mundo dividido entre homens livres e escravos, a escravidão foi aos poucos perdendo sua legitimação legal ao ponto de se tornar atitude criminosa. O que antes já foi visto como justo atualmente é visto como algo criminoso.
Apesar desse exemplo ilustrar que algo que era justo e hoje é claramente visto como injusto, muitas leis não são simples de definir sua continuada legitimação ou perde sua força de se fazer reconhecida e, se tornar obsoleta ou mesmo injusta. E, atualmente tem se tornado mais complexo a identificação da lei como justa ou injusta por conta das variedades de interpretações e percepções da moral que rege a sociedade, por ser ela marcada por fragmentações de grupos humanos com diversas concepções individuais de definição de justiça, apresentando diferentes princípios éticos. Com a transformação político-social iniciado com as revoluções que marcaram a construção da sociedade moderna, os direitos individuais passaram a ser proclamados e reconhecidos. Porém, com eles as diversas interpretações em sua concretização que perduram e se expandem até hoje. Se analisarmos a liberdade de expressão, podemos perceber como os juristas e demais profissionais da área jurídica e do direito se debatem para definir o que é essa liberdade e, limitar até que ponto é legítimo seu reconhecimento moral e encontram dificuldades a se chegar a um consenso concreto. Na prática do mundo atual, se percebe que em tempo da cibernética as barreiras limitadoras se perdem na conservação de suas funções, por não mais saber quais os princípios éticos basilares atuais que os indivíduos se baseiam para se ter referências de uma legitimidade ou não de uma lei.
Portanto, a dificuldade para conservar a sociedade organizada na atualidade se passa por encontrar a possibilidade de alcançar o consenso dos indivíduos para reconhecer que princípios são fundamentais para a convivência num mundo marcado por fragmentos de grupos e pensamentos. Na convivência cotidiana se reparar, por exemplo, quando grupos de pessoas resolvem na rua ligar o som alto e juntar amigos para fazer festa na rua cercada de residências, mas não considerando que isso causa transtornos aos vizinhos. E mesmo havendo uma lei que limita essa prática, essas pessoas apresentam argumentos para justificar a legitimidade de fazer barulho. Exemplo simples, mas ilustra o drama tratado nesta reflexão.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

ESCOLA SEM PARTIDO: CAMINHO RETO OU DESVIRTUAMENTO PARA A EDUCAÇÃO?

Quando se pesquisa a opinião pública sobre qual área de política pública que necessita de mais investimentos, a educação aparece como umas das mais prioritárias. Quando se fala em educação, geralmente na consciência popular, ela é vista como ações pautadas na formação moral e intelectual das crianças e dos adolescentes, e que a instituição escolar é o espaço fundamental para o exercício formativo. Por outro lado, se tornou comum muitos indivíduos chamar atenção para o papel familiar para a formação de base para as pessoas humanas.

Atualmente, no Brasil um grupo de parlamentares e alguns membros da sociedade civil se mobilizaram para propor um projeto de lei para aplicar na educação brasileira conhecida como Escola sem Partido. Alguns dos argumentos defendidos por este grupo é o dever do Estado proporcionar o ensino nas escolas de forma neutra em relação às questões políticas, ideológicas e religiosas, ricas em pluralidade de ideias sem promover discursos doutrinários. Desta forma, os professores estarão vetados de incitar os alunos a aderir um partido político específico e de aliciá-los para participar de manifestações, reconhecendo-os como a parte cativa na relação de ensino-aprendizagem e, que atitudes educacionais consideradas doutrinações reduzirão a propagação de ensino neutro e plural e proporcionarão a manipulação da mente dos estudantes. Argumenta-se também que no caso de ensino religioso os pais possuirão o direito de interferir na definição de aceitar ou rejeitar a instrução de seus filhos em determinado credo religioso, com o intuito de evitar a transmissão de crenças contrárias às convicções de fé familiar aos filhos e de salvaguar a liberdade de crença. Temas relacionados à orientação sexual, essa corrente de pensamento defende que esse assunto seja trabalhado e esclarecido no ambiente familiar e não na escola, respeitando a fase de desenvolvimento das crianças e nas crenças familiares. Entretanto, esse projeto de lei recebeu diversas críticas por muitos profissionais da educação e movimentos sociais.

Os grupos contrários a este projeto de lei afirmam que ele veta a possibilidade de aprendizagem ampla por parte dos alunos, que os professores se sentirão pressionados e em constante vigilância, tanto do Estado quanto da família. Dessa forma, os professores ficarão em situação de desconforto e acuados para lecionar alguns assuntos de grande relevância ao processo de desenvolvimento humano aos alunos, por temor de serem interpretados como doutrinadores ou aliciadores de novos membros para uma determinada ideologia ou determinado partido político, se tornando passíveis de sofrer penalidades. Ao contrário do que afirmam os defensores da Escola sem Partido, os movimentos contrários a este projeto entendem que caso esse modelo de educação seja implantado, a propagação de ensino plural se empobrecerá e a liberdade de aprender, ensinar e divulgar o pensamento, a arte e o saber se tornarão negadas aos estudantes. Também, seus críticos afirmam que temas relacionados ao gênero devem ser debatidos em sala de aula, com o intuito de conscientizar os alunos sobre a questão da diversidade de gênero e evitar a disseminação de preconceito e padrão de comportamento cultural homofóbico.

No dia 13 de abril de 2017, conforme noticiado pelo jornal Estado de São Paulo os seguintes relatores da ONU, David Kaye, Boly Barry e Ahmed Shaheed enviaram ao governo brasileiro denúncias à iniciativa política da Escola sem Partido, entendendo que um projeto educacional como este poderá causar restrições à liberdade de expressão dos alunos e, os impedirem de receber informações fundamentais ao processo educativo; que sua implantação abrirá brechas para interferências arbitrárias de autoridades e pais nas escolas. Os relatores entendem que o governo brasileiro poderá descumprir os compromissos assumidos com a liberdade e a educação caso o projeto Escola sem Partido seja implantado.
 Essa notícia foi comemorada por membros de movimentos sociais que combatem esse projeto de lei; por outro lado, parlamentares comprometidos com a implantação da Escola sem Partido, a ela, apresentaram diversas críticas, afirmando que os relatores da ONU se negaram de participar dos debates expositivos que apresentavam a definição e a função desse modelo educacional e, por conta disso demonstram desconhecimento do projeto de lei e despreparo para intervir com essas denúncias.

Com essa postura da relatoria da ONU, e o embate político e ideológico que ocorre em torno deste projeto, será que a Escola sem Partido será implantada? Se implantada esse modelo educacional trará mais ganhos ou prejuízos às crianças e aos adolescentes?

quarta-feira, 19 de abril de 2017

QUE AS IGREJAS CRISTÃS BUSCAM?



Numa viagem de metrô por uma das linhas de São Paulo, embarcou um passageiro aparentando ter 60 anos de idade, pele curtida pelo sol, baixa estatura, calvo, de barba branca e espessa começou a pronunciar seus pensamentos, que parecia falar para todos os presentes, mas sem se fixar em algum ponto ou direção seu olhar, e ao mesmo tempo como se discursava para ninguém ou falava para si próprio em voz alta. E, dentre inúmeras palavras proferidas, ele afirmou que o mundo estava caminhando para ruína e, que as igrejas conduziam suas atividades de tal forma que não se sabia se era Jesus ou Satanás que as lidera. Nesse momento algumas pessoas o olharam, outras olharam para os evangélicos presentes e outros se entreolharam, mas sem dizer uma palavra um ao outro. Algumas pessoas poderiam diagnosticar o profeta do metrô como louco. Mas, se era loucura o que discursava, porém, nada foi tão absurdo ao ponto de encontrar muita lucidez nas misturas de suas palavras e ideias que poderiam parecer desconexas numa rápida percepção.

Contudo, por princípio é inegável, mesmo não se simpatizando com o cristianismo, a sua influência na formação cultural e moral do ocidente, que por séculos configurou na consciência das pessoas a visão de mundo a partir das crenças próprias dessa religião, que mesmo sofrendo históricas oposições de inúmeros intelectuais de diversos movimentos e correntes de pensamentos, permanece marcante no imaginário inconsciente dos homens e das mulheres do ocidente a visão personificada do bem e do mal, num antagonismo aberto de combates espirituais, tanto no mundo exterior quanto no interior de cada indivíduo, de Deus e o diabo, das forças celestiais e das forças infernais. Ciente desses fatos, se faz compreensível afirmar a importância que as igrejas cristãs ocupam na atualidade, em suas diferentes doutrinas e confissões cristãs. Todavia, o cenário atual de desenvolvimento econômico das igrejas cristãs evangélicas, dos séculos de poder hegemônico exercido pelo catolicismo ter decaído consideravelmente, da busca do próprio catolicismo de se manter ou recuperar o poder, as novas instruções de ensinamentos cristãos buscam hoje novos modelos de aperfeiçoamento retórico e avanços logísticos para conquistar maior números de fiéis em detrimento da qualidade do ensinamento doutrinário e fundamental da mensagem de Jesus Cristo em busca de se manterem vivos e dominantes dentro da nova realidade de mercado em que a religião fora inserida.

E, constantemente pelo país, novos líderes religiosos surgem no cenário do supermercado da fé promovendo cultos espetaculares, com aparato musical de qualidade e, esses pregadores preparados para entonar a voz, num ritmo alternado,  ao aumentar  e ao diminuir o volume, a suavizar em alguns momentos o discurso e em outros a utilizar um tom agressivo com o objetivo de causar comoção aos seus ouvintes. Por outro lado, os fiéis se encontram inseridos num contexto social marcado pelo individualismo nas relações pessoais, em que a escuta do outro se tornou escasso, e de intensa competição para se alcançar espaços no mercado de trabalho e nas organizações sociais, inclusive nas próprias igrejas. Neste cenário, as pessoas se tornam fragilizadas emocionalmente, socialmente, inseguras economicamente, se tornaram vulneráveis para serem atraídas para armadilhas retóricas das cerimônias religiosas, e se tornarem novas ovelhas contabilizadas para uma determinada igreja. Quando um líder religioso consegue êxito em atrair milhares ou mesmo milhões de fiéis, se autopromove como verdadeiro ungido de Deus, se colocando num patamar superior de humanidade, acima das demais pessoas. Muitos desses líderes buscam legitimidade como missionário do Senhor ao promover cultos com apresentação de shows de curas e testemunhos de milagres, com intuito de se fortalecer como celebridade espiritual na competição no mercado religioso.

Também, é interessante ressaltar que com o discurso retórico os líderes religiosos buscam garantir o lucro de suas igrejas. Com técnicas de oratória que causam comoções emotivas os fiéis se tornam mais propensos em aderir ao pagamento de dízimos e às doações de ofertas e campanhas. E, aqueles fiéis que não conseguem realizar tais pagamentos carregam dentro de si a culpa e a vergonha por não terem contribuído com a obra do Senhor e, que muitas almas se perderão por conta da falta de seus pagamentos e contribuições. Muitas igrejas cristãs também investem em shows musicais, estilo conhecido como gospel (o catolicismo também promove esses shows, mas não utiliza a mesma nomenclatura). Os cantores se apresentam ao grande público como missionários, evangelizadores ou servos do Senhor, e vivem comodamente no mesmo estilo dos artistas musicais ditos profanos, tornando o mercado artístico religioso cada vez mais almejado pelos novos grupos musicais religiosos, intensificando o acúmulo de riqueza do negócio religioso, inserido na dinâmica capitalista, apesar de muitos líderes cristãos proferirem discursos condenatório a este sistema econômico.

No catolicismo, numa tentativa de seu líder maior de ao menos imprimir uma imagem aos seus fiéis de uma igreja institucional que busca vida austera como narra a Sagrada Escritura, como foi a vida de Jesus e seus seguidores, Papa Francisco propôs, em discursos condenatórios aos luxos e opulência vivida pelos cardeais e muitos membros do clero, uma vida de sobriedade e de renúncia às comodidades e as facilidades de uma vida palaciana, para se tornarem coerentes com seus próprios discursos e ensinamentos catequéticos e doutrinais pregados nos púlpitos das paróquias e catedrais. Entretanto, esse papa vem sofrendo retaliação por sua postura e discursos, principalmente a oposição advinda da cúria romana. Os cardeais opositores relatam que eles não fazem oposição, apenas alertas que alguns pronunciamentos do Papa Francisco podem causar confusão nos fiéis e dificuldades na compreensão doutrinária, mas no pano de fundo é a rejeição dos "príncipes de Igreja de  Roma" da atitude de  Papa Francisco propor uma vida sóbria como relatada nos escritos dos evangelhos.

Analisando esta situação, as pessoas tem os mais variados comportamentos em relação às igrejas cristãs. Alguns fiéis buscam seguir os conteúdos doutrinários expostos pelos pregadores sem questionar a validade das informações transmitidas e, se sentem culpadas por não conseguirem seguir todas as normas morais exigidas por eles ou pelos documentos doutrinais das igrejas, sem se dar conta da impossibilidade de viver o estilo moral que lhes exigem, nem os próprios pregadores não vivenciam em seu cotidiano. Há fiéis que escutam as pregações, mas em seu íntimo fazem inúmeros questionamentos e levantam diversas dúvidas, mas guardam para si seu ponto de vista por temer retaliações dos líderes e dos demais fiéis. Mas, encontra-se fiéis que apesar de participar assiduamente dos cultos religiosos, apresentam críticas abertamente, se tornando uma ameaça aos líderes, e por conta disso são afastados das igrejas cristãs. Muitos se afastam das igrejas cristãs após participar por anos dedicados em busca ideal de verdade da fé ao constatar que nesse tempo de inserção nas reuniões religiosas, que as pregações não são coerentes com a prática de vida de quem prega e de quem se diz seguir os conteúdos pregados como servos do Senhor e batizados. Alguns se mantém distantes das igrejas e fazem críticas e elas, e outros são indiferentes à existência e a função delas na sociedade.

É reconhecido que a formação moral do ocidente foi moldada pelos ensinamentos doutrinários de origem judaica-cristã, e que em muitas localidades, no séc. XX, algumas igrejas surgiram como espaços de acolhidas aos mais pobres, principalmente aos migrantes oriundos de outras regiões do país. Nas regiões periféricas dos centros urbanos, as igrejas exerceram o papel de arrefecimento das explosões de violência e em meio à precariedade das políticas públicas as lideranças religiosas tornaram-se mediadores, amenizando os danos causados pelos confrontos violentos. E, também muitas igrejas cristãs se destacaram na organização de movimentos sociais que lutaram em defesa dos direitos humanos. Porém, atualmente se percebe que as igrejas disputam por arrebanhamentos de fiéis, em busca do lucro e da sobrevivência institucional num mundo de intensa concorrência e de confrontos também com número crescente de pessoas indiferentes às igrejas. E, nessa concorrência, muitas vezes se vale mais convencer o fiel pela publicidade, mesmo de conteúdo superficial e falaciosa que pela autenticidade de uma proposta existencial de vida. Diante disso, se pode deixar para a nossa sociedade, em que a visão de mundo foi fortemente marcada pelo imaginário religioso cristão, a reflexão da relevância  das igrejas na sociedade atual  e como elas podem contribuir para confrontar os dilemas sociais, políticos e religiosos em todo este cenário.

terça-feira, 11 de abril de 2017

ABORTO: OPOSIÇÃO E DISSENSO


No dia 7 de março de 2017, O Estado de São Paulo, na pessoa da jornalista Daiane Cardoso, noticiou que representantes do PSOL entraram com ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) no STF com a finalidade de requerer a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Na petição da ADPF há diversos argumentos que buscam sustentar a necessidade legal de garantir a autonomia e a cidadania das mulheres, especialmente as mais vulneráveis em sofrer descriminalizações como as negras, indígenas e pobres que se submetem ao procedimento de aborto em clínicas clandestinas instaladas de forma inadequadas, em condições insalubres e precárias em prestar o devido atendimento. Essa ação movida pelos representantes do PSOL reacende um debate polêmico, que se encontra distante de encontrar unanimidade nas instituições jurídicas e políticas e, também na opinião pública. E, tanto os favoráveis quanto aos contrários a descriminalização do aborto sedimentam seus argumentos nos princípios fundamentais do direito da pessoa humana.
Com ADPF, os representantes do PSOL questionaram junto ao STF os artigos 124 e 126 do Código Penal, que dizem respeito às penalidades para as mulheres que cometem o aborto e para as pessoas que realizaram esse procedimento, por entenderem que esses artigos violam os preceitos fundamentais das mulheres de cidadania e autonomia e, que a permanência da criminalização do aborto é uso do poder coercitivo do Estado para impedir o pluralismo razoável. Este partido é formado por muitos membros que se desfiliaram do PT, para manterem-se coerentes com suas principais agendas ideológicas que acreditam serem importantes para construção de uma sociedade mais justa e de uma democracia mais participativa. E, uma das reivindicações que eles defendem é a garantia da autonomia das mulheres decidirem levar ou não adiante uma gestação.
A defesa da descriminalização do aborto no Brasil está em crescimento constante com a agenda de alguns partidos políticos e movimentos sociais, especialmente de membros feministas, com diversos argumentos que se alicerçam nos princípios fundamentais de autonomia e liberdade da pessoa humana. Um dos argumentos mais conhecidos é garantir a mulher o direito por decidir livremente pelo uso de seu próprio corpo. Os defensores do aborto afirmam que a descriminalização do aborto favorecerá a mulher projetar com mais liberdade a constituição familiar que se deseja. E, se tratando da estrutura de sociedade em que nos encontramos, as mulheres são ainda a maiores portadoras do ônus na formação familiar e no cuidado dos filhos. Exemplo desse ônus quando há notícias de adolescentes autores de atos infracionais detidos pela polícia. O questionamento mais apresentado é que as mães são as responsáveis pelas ocorrências de infrações cometidas por esses adolescentes. Acrescenta-se para compreender o jugo carregado pelas mulheres é a atitude dos homens serem mais propensos em abandonar o lar e a família, não assumindo as responsabilidades da educação e cuidado dos filhos. Mesmo com reconhecimento formal da lei para garantir a segurança e o sustento das crianças e dos adolescentes por meio da aplicação da cobrança da pensão alimentícia, muitos homens que abandonaram suas famílias se negam a cumprir e, os que cumprem a lei, esse procedimento é apenas um reparo, mas estruturalmente o fardo permanece como jugo pesado para as mulheres.
Mas, também há diversos movimentos conhecidos como pró-vida que são contrários a descriminalização do aborto, que a maior parcela de seus membros são ligados às instituições religiosas de confissão cristã. No Brasil, com o crescimento da representação parlamentar de membros das igrejas evangélicas, muitas destas formaram grupos de fiéis que assumiram a vanguarda para defender a conservação da proibição do aborto. Entretanto, tanto em nosso país quanto em outras partes do mundo, os movimentos pró-vida ligados à Igreja Católica apresentam grandes destaques na militância em defesa da vida desde a concepção e, assim condenando a prática do aborto. O argumento que mais se sobressai dos grupos pró-vida é o respeito ao princípio fundamental de direito à vida o qual nem a gestante tem o direito de interferir no desenvolvimento de sua gestação. Em muitas doutrinas religiosas o aborto é considerado assassinato e, de uma pessoa indefesa aumentando sua gravidade.
Com duas posições que se opõem a respeito do aborto se percebe que seja qual for a decisão do STF, este tema estará distante de consenso na opinião pública. Esse conflito não é somente político e jurídico. Ele se dá também na esfera religiosa, ocupando o espaço da sacralidade, onde habita a concepção de virtude e pecado, de recompensa e castigo que exerce importante influência na visão de mundo e de vida em grande parcela da população brasileira. Contudo, o aborto é uma prática comum e frequente em nosso país, em que as mulheres de famílias ricas que procuram abortar, se submetem a este procedimento em clínicas com instalações adequadas para tal finalidade e, preparadas para prestar socorro caso ocorra complicações durante a realização da retirada do feto. As mulheres de famílias mais pobres quando decidem por se submeter a um procedimento de aborto, realizam em locais com instalações insalubres e, em condições precárias para prestar socorro caso ocorra semelhantes complicações.
Diante deste cenário de debates e lutas dos movimentos opostos, ainda haverá muitos capítulos de conflitos e, muita distância para se chegar a um consenso.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

LIVRE MERCADO E CÁRCERE DO PRECONCEITO



O mundo empresarial é um atrativo para inúmeros jovens ascender na carreira profissional. Muitos destes são oriundos de famílias de baixa renda, que favorecidos com os investimentos sociais e de educação de nível superior dos últimos anos alcançaram a formação acadêmica, a qual seus pais nem sequer almejavam, por terem sido criados num contexto político-social em que esse horizonte nem a eles eram apresentados. Com esses novos investimentos, oportunidades de desenvolvimento profissional se abriram no horizonte aos jovens das aŕeas periféricas, que se dedicam, entre uma rotina de trabalho e estudos a buscar uma colocação em grandes empresas, buscando também moldar sua postura e comportamento se adequando à cultura do ambiente empresarial. Entre esse grupo de jovens, há os negros. Aparentemente, dentro da lógica da doutrina neoliberal o mercado se rege pela livre concorrência, em que o mérito consiste pela qualificação e potencialidade do profissional em alcançar um cargo na empresa, sem passar pelo crivo criterioso de sua cor de pele e origem étnica. Ao menos na teoria esse é o ensinamento neoliberal.

Entretanto, BBC Brasil publicou no dia 30 de março de 2017 uma notícia em que o presidente da Bayer no Brasil denunciou, em seu perfil na rede social Linkedin, que um jovem conhecido por ele, de cor negra, com um excelente formação e currículo para assumir alto cargo empresarial foi rejeitado numa entrevista de trabalho numa grande empresa não por ter alguém mais gabaritado para assumir o cargo, mas por ser negro. O empresário que negou a entrevista e este jovem, sem cerimônia, chamou atenção do responsável pela equipe de RH, na presença do jovem que seria entrevistado que não contrata pessoas de cor negra e, era para ter ciência deste costume, pois, na empresa não tinha funcionários negros. Quando o jovem foi agradecer o presidente da Bayer pela indicação para tal empresa e relatou o ocorrido, este o aconselhou que fizesse uma denúncia. O que causou espanto no presidente da Bayer, foi o jovem se recusar a fazer a denúncia por medo de sofrer represália no mundo empresarial, não ser mais contratado em lugar algum, e perder anos de dedicação e formação para construir um vasto currículo, mesmo sendo oriundo de família de baixa renda.

Esse fato ilustra que a cor da pele é utilizada para  apreciação das características fundamentais da potencialidade, conduta moral e capacidade intelectual dos indivíduos, que pode ser um dos fatores para explicar um dos motivos de haver pouquíssimos negros assumindo os cargos mais altos nas grandes empresas. A aparência percebida pela quantidade de melanina na pele é ainda em muitos espaços sociais fator que pode abrir ou fechar as portas para inúmeros jovens com grandes potencialidades profissionais. Essa questão nas relações sociais em nosso país se torna um pavio que se pode acender em qualquer momento e, acirrar conflitos raciais, mesmo sendo um país com a população altamente miscigenada.

Diante de muitas ocorrências que manifestam conotações raciais, os mais diversos movimentos e associações que buscam ações afirmativas da valorização das pessoas negras na sociedade, que apresentam estudos sobre o racismo, a situação dos negros na sociedade e que buscam propor ações políticas para a defesa dessa grande parcela da sociedade brasileira. Uma das iniciativas mais debatidas e aprovadas pelo Estado brasileiro é a política de cotas para as pessoas declaradas negras nas universidades públicas e para cargos assumidos por meio de concursos ou processos seletivos públicos. Há um grupo que defende a política de cotas como fundamental para implantar a justiça social e minimizar o racismo no Brasil na esperança de um dia ser erradicado. Há quem defenda esta política como necessária no momento, mas não suficiente para minimizar os impactos das questões raciais pois, é uma política paliativa e se não houver outras mudanças estruturais na sociedade e na ação política, se tornará com tempo uma concessão de favor. Entretanto, há um grupo que diverge da política de cotas, analisando-a como atitude de acirramento dos conflitos raciais, e que também exporá a figura do negro como aparente pessoa humana inferior em relação ao branco.

Considerando as diferentes opiniões que se apresentam nos mais diversos espaços de debates a respeito da política de cotas, há uma ferida na sociedade brasileira, que são camufladas de muitos modos a respeito da discriminação da cor da pele, em que o juízo de valor e a capacidade intelectual se paute por uma análise de clarificação da cor da pele para a seleção de candidatos para concorrer aos postos mais altos no mercado de trabalho. E, se tratando de política de cotas, ela pode ter grande valor como apresenta seus defensores, entretanto, só sua execução não poderá modificar a construção do inconsciente coletivo de nosso povo. Será necessário implementações de políticas mais sólidas de formação de base, que levarão décadas ou mesmo séculos para produzir frutos mais amadurecidos na inconsciência da coletividade, para assim, os indivíduos trazer essa nova formação para a própria consciência a nova percepção da pessoa humana, sem se pautar pela valoração de cor de pele para realizar julgamento moral e intelectual.

terça-feira, 4 de abril de 2017

CULTURA DA MODA E BÁRBARIE


Quando se faz reflexões de estudos da cultura, sociedade, política e outras mais áreas de estudos humanos e sociais por meio de literatura de corrente marxista, é comum se utilizar termos como classe dominante, pensamento hegemônico e ideologia dessa mesma classe que domina os espaços das relações sociais e da cultura. Claro que nem todos os estudiosos concordam com o modo de analisar os estudos humanos e sociais por meio da corrente marxista e, isso é favorece a diversificação do pensamento e evita reducionismos de manter os estudos acadêmicos e formação profissional como forma de doutrinamento. Na religião, cada confissão de fé constrói sua base doutrinária como verdade de fé, mas na ciência o doutrinamento não enriquece na busca de conhecimento com base em comprovação em investigações palpáveis e concretas, e quando alguém se apresenta como científico, mas se prende em conceitos doutrinários específicos e imutáveis, dificilmente se evitará em cair em erros graves e danosos para o indivíduo e sociedade.
Nesta reflexão serão usados termos comuns na literatura marxista para comentar sobre a cultura dominante da moda e beleza, que tem se tornado pensamento hegemônico mesmo sem base de sustentação de comprovação científica. E, se tratando da visão de ideal de beleza, conforme o pensamento hegemônico de mercado da moda, as mulheres são mais afetadas por esta ideologia e, que interferem cotidianamente em sua autoestima. O padrão de beleza introjetado na consciência coletiva por uma visão uniformizadora tem propagado um estilo de comportamento que legitima a exclusão e o descarte das pessoas que não atendem esse padrão. Ao pesquisar narrativas de mulheres gordas, podemos coletar informações que mostram situações constrangedoras por elas sofridas, constatando que o domínio da cultura da moda causa comportamentos perversos, que encontram legitimidade para ser cruel e hostil com as pessoas fora do que se é determinado como belo.
E, esse tipo de legitimidade para comentar sobre pessoas gordas com crueldade se reveste muitas vezes com a pele de liberdade de expressão. Nas redes sociais se tornaram comuns as agressões às pessoas consideradas fora do padrão de beleza, com requinte de crueldade semelhante ao tempero de propagação do racismo. Num blog, um blogueiro que apenas se identifica com as iniciais de seu nome e sobrenome apresenta seus argumentos sobre mulheres como sendo o porta-voz de todos os homens. Com isso, responde as perguntas de seus usuários como especialista da mentalidade e desejo masculino, que tem como pano de fundo um pensamento hegemônico que manipula a visão do que é ser masculino, do que esse deseja, se comporta e analisa como belo.
E, numas das dúvidas apresentadas ao blogueiro responder, uma internauta descreveu que sua amiga, simpática, bonita e gordinha que apesar das qualidades, aos 25 anos não tinha se relacionado com nenhum homem. Essa questão foi a porta de entrada ao blogueiro justificar que o fato da amiga da internauta ser gorda é o motivo principal dela não ter conseguido se relacionar com homem algum. E, para reforçar seu argumento, afirma que o fato do homem apresentar interesse sexual por uma mulher por meio do sentido visual, ele não se sente estimulado sexualmente por mulheres gordas. E, ainda caracterizou amiga da internauta como hipopótamo.
Ao se apropriar de argumentos pautados por visão preconceituosa e pseudo-científica, o misterioso blogueiro concluiu por uma possível lógica o fato do despertar do desejo sexual masculino passar principalmente pelo sentido visual a repulsa por mulheres gordas. Entretanto, o fato do homem se despertar sexualmente por uma mulher pelo sentido visual, não significa que é apenas por mulheres consideradas dentro do padrão de beleza desta cultura dominante, pois, os desejos e gostos estéticos masculinos não são uniformes como deseja impor o mercado dominante da moda. O pensamento hegemônico divulga pelos meios de comunicação uma visão uniforme de ideal de beleza, causando conseqüências destrutivas para milhares de homens e mulheres, sem sustentação verídica pelos meios científicos.
Para encerrar essa reflexão, será descrito um fato real narrado pela irmã de uma vítima fatal da cultura hegemônica da estética.
Uma jovem, mais ou menos com 24 anos, habitante da cidade de São Paulo, sonhadora com a estabilidade profissional e constituição de uma família, se apaixonou por um rapaz, do apartamento vizinho do prédio onde residia. Como uma moça apaixonada, buscava coragem para se declarar. Um dia tomou a decisão e se declarou ao rapaz seu sentimento e, o desejo de namorá-lo. Esse rapaz respondeu que não aceitaria, pois sentiria vergonha de andar de mãos dadas na rua com uma mulher gorda. A jovem recebeu a negativa da forma que foi dada como um duro golpe. Uma ferida se abriu e, que mais para final da narrativa se perceberá que nunca mais se cicatrizou.
E, seguindo adiante a vida, após esse evento traumático, a jovem acrescentou na rotina do dia a dia, a agenda de dieta para emagrecer. Com essa atitude emagreceu muitos quilos.
Meses depois, ela se encontrou com o mesmo rapaz pelos corredores do prédio. Ao notar a diferença física da jovem, ele disse que com o corpo no estado que ela se encontrava atualmente já poderia namorá-la. Essa segunda observação do rapaz foi mais um duro golpe. Dessa vez foi fatal. A jovem se retirou da presença dele aparentando serenidade, entrou no prédio onde morava e, se jogou pela janela.
A pressão por atender o apelo da cultura dominante da moda tem causado adoecimento em muitas mulheres. Os comentários e as brincadeiras advindas de muitas pessoas, inclusive das mais próximas como familiares, esposos e amigos, que aparentam ser amistosas são venenos para a alma e deterioram a autoestima das pessoas consideradas fora do padrão cultural da beleza. E, essa imposição cultural tem legitimado atitudes perversas que cotidianamente ocorrem pelos espaços urbanos, e em até nas relações familiares. Exigências divulgadas pelo mercado da moda adoecem não somente as modelos, mas também uma sociedade, principalmente as mulheres que são mais pressionadas para manter o padrão de beleza que este mercado define.

sexta-feira, 17 de março de 2017

DIREITO DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E CONSCIÊNCIA MORAL


A política de acessibilidade e de inclusão social às pessoas portadoras de deficiência física foi uma temática que muito avançou nos meios empresariais e acadêmicos. No espaço universitário, inúmeros estudos foram desenvolvidos nas mais diversas áreas tanto nas humanas como também na engenharia, arquitetura e outras mais. Acompanhando esse desenvolvimento se constata que o aprofundamento da ciência focada ao favorecimento das pessoas portadoras de deficiência física promove inclusão destas na sociedade, assegurando-lhes tratamento digno pautados nos princípios dos direitos humanos fundamentais e, garantindo-lhes a autonomia para a convivência e a interação no meio social em que se vive, e igualmente a possibilidade de locomoção no espaço urbano. Entretanto, as pessoas portadoras de deficiência física ainda confrontam com inúmeros obstáculos que ferem seus direitos já reconhecidos que dificultam seu exercício de cidadania e de autonomia.
O jornal Estadão, do dia 11 de março de 2017, publicou uma matéria que informava o descumprimento da Lei 13.146/15, que reconhece o direito da pessoa deficiente visual de se utilizar de meio de transporte e frequentar espaços públicos e privados coletivos acompanhada pelo cão-guia. Uma economista deficiente visual, na cidade do Rio de Janeiro, solicitou um carro do Uber para retornar a sua residência após visitar parentes em outro bairro. Para seu constrangimento, o motorista, ao encostar o veículo, disse que em seu carro não transporta cachorros. Mesmo sendo advertido pela economista que este comportamento transgredia a lei, ele permaneceu relutante em seu costume e, partiu com o carro sem transportá-la. E, essa mesma matéria informou que o caso da economista não é um fato isolado, e que no Rio de Janeiro e em São Paulo há diversos casos semelhantes de descumprimento da lei às pessoas deficientes visuais que foram notificados. Há um fato relatado por uma pessoa deficiente visual que ao apresentar sua queixa no próprio aplicativo do Uber, recebeu como resposta que o motorista que descumpriu a lei seria excluído do seu perfil e, receberia créditos para uma próxima viagem. Só que ela disse que não é questão de angariar créditos, e sim, de cumprimento da lei.
O reconhecimento formal de qualquer lei é fundamental para possibilitar a vida em sociedade, regulamentando o comportamento coletivo nos mais variados grupos sociais. Pensadores como Rosseau e Hobbes refletiram a respeito da necessidade da formação do Estado por meio de contrato em que as pessoas chegam a um consenso para assegurar a proteção dos bens e da vida. O pano de fundo que fundamenta o contrato social é o reconhecimento do Estado assumir o poder que antes era exercido por cada um individualmente, definindo leis aos indivíduos se portarem como sujeitos sociais, abrindo mão de uma parte significativa da liberdade em nome da proteção necessária para possibilidade da vida social. E o que fundamenta este poder é o reconhecimento legítimo da lei e, sua aplicação para salvaguardar a lógica dessa legitimidade legislativa.
Pois, se analisar como na nossa sociedade é comum ver as pessoas transgredir as leis cotidianamente, se pode questionar o motivo para tal atitude. Então, para além da legitimidade legal que fundamenta o poder do Estado como um contrato social, se deve procurar meios educativos à construção da consciência social entre os sujeitos sociais, e evitar tantos descumprimento do que se está legalmente reconhecido, compreendendo a importância do seguimento às normas que respeitam os direitos fundamentais da pessoa humana para se promover autonomia de qualquer pessoa, independente de sua característica física e origem social. Todavia, se pode questionar com base a tantos exemplos históricos que há leis que cumpridas, promoveram atrocidades contra os seres humanos. Entretanto, pautado nos princípios fundamentais dos direitos humanos, se conclui que normas legais que diz respeito a um fato como a deficiente visual ter possibilidade de tomar um serviço de transporte acompanhado de cão-guia, que causará dano à humanidade da pessoa deficiente no caso da transgressão à Lei 13.146/15, e um custo irrisório, caso seja necessário, de ter um pouco mais de trabalho para assepsia do veículo por parte do motorista, claro que está em jogo é a consciência de humanidade nas relações sociais.
E, para a construção da consciência social, considerando partir do caso específico da legitimidade da pessoa deficiente visual é importante reconhecê-la como pessoa humana no exercício de sua liberdade e autonomia, não apenas por uma formalidade legal, e sim, por uma cultura social sedimentada numa mentalidade que, seres humanos são diversos entre si, que não implica em hierarquização entre humano superior e humano inferior. Do contrário, se reproduzirá no meio social juízo de valores empobrecedores dos princípios fundamentais dos direitos humanos.
Na perspectiva de reconhecer os direitos da pessoa humana, é legítimo o cumprimento de garantia de acesso de pessoas deficientes visuais aos espaços públicos e privados coletivos e de acessar os meios de transporte acompanhadas com o cão-guia. Esse animal, devidamente treinado para a função de guia, é uma ilustração de que o avanço técnico-científico pode favorecer a promoção da dignidade e autonomia da pessoa humana, se elaborada e aplicada para tal finalidade.E, assim nos atentarmos que o reconhecimento de algumas leis acompanham esses avanços e que a educação para os direitos humanos fundamentais se deve também seguir esse ritmo.

sábado, 11 de março de 2017

VÍTIMA DA FOME E TECNOLOGIA ATUAL


Umas das necessidades mais básicas para a sobrevivência do ser humano é a alimentação. Por ela que nós recebemos os nutrientes essenciais para podermos nos manter vivos biologicamente e força física para buscarmos satisfações das demais necessidades. É fato concreto que o desenvolvimento científico e tecnológico favoreceu no modo de produzir alimentos em atendimento da crescente demanda populacional no globo terrestre. Contudo, o portal r7 noticiou que o primeiro-ministro da Somália denunciou que em Bay, região sul somali, ao menos 110 pessoas morreram de fome e, que segundo a ONU há 360 mil crianças desnutridas nesse país e, 71 mil dessas vítimas correm o risco de chegar a óbito por conta da fome. É uma notícia nauseante de se receber num mundo que avança em tempo recorde em desenvolvimento da tecnologia, inclusive dos meios de comunicação, em que se pode comunicar para qualquer parte do mundo em tempo real. Mesmo com esse poderio ainda se constata com ocorrências de fortes traços de perpetuação desumana de negligência e indiferença às situações de subdesenvolvimento em muitas regiões do mundo. Somália, como outros países africanos, foi dominada pelo imperialismo europeu por anos e, teve suas riquezas naturais extraídas para o favorecimento do avanço tecnológico, o qual não participa na distribuição dos bens.
O processo de extração dos recursos naturais do continente africano se deu com muita intensidade do período que se estende dos meados do séc. XIX a primeiras décadas do séc. XX, com a concretização de política imperialista dos países ocidentais europeus, principalmente no auge do capitalismo liberal. Esse modelo capitalista se destacava pelo empreendimento do livre mercado e da intensificação da concorrência de tal forma que escapando do controle da racionalidade, provocou as guerras entre as nações consideradas mais ricas. Entre os diversos motivos que provocaram essas guerras, conhecidas como mundiais, há os desentendimentos de demarcação dos limites territoriais das colônias na África entre as nações colonizadoras.
Os recursos naturais extraídos do continente africano foram de grande utilidade aos avanços tecnológicos e acúmulo de riquezas na Europa; mas não se efetivou em riqueza, e sim, empobrecimento e indigência na África colonizada. Além da expropriação dos recursos naturais do continente africano, os países europeus impuseram demarcação territorial que ignorava a divisão política já delimitada anteriormente pelas tribos que habitavam esse território geográfico anterior ao período colonial. Em decorrência desta intromissão externa, muitas tribos ficaram divididas em duas colônias distintas e, partes delas passaram a conviver no mesmo território com tribos rivais, e por conta dessa nova definição conflitos foram declarados e, até no tempo atual esses territórios reconhecidos como nações sofrem com as guerras civis violentas e, com a indigência que mais se agrava em consequência dos confrontos bélicos.
Com essa atitude impositiva de demarcação territorial o imperialismo favoreceu o acirramento dos confrontos entre as tribos. Nos anos 60, do séc. XX o processo de descolonização avançou para ser efetivar e, os motivos que mais se destacaram para as nações africanas se tornassem independentes foram as lutas empreendidas pela libertação da colonização europeia e, o desinteresse das nações europeias em manter a colonização já numa fase em que essas julgavam não ser mais rentável. Porém, os traumas causados pela colonização permaneceram enraizados nas terras africanas. A exploração favoreceu o avanço da tecnologia no norte do globo terrestre, mas não a distribuição das benesses deste avanço com o sul. A herança que permaneceu na África foi território nacional delimitado desconsiderando as divisões tribais, consequentemente o aumento de conflitos bélicos e do agravamento da indigência numa terra que forneceu os recursos naturais que enriqueceram enormemente as nações do norte.

Com essa compreensão se pode analisar que mesmo o mundo ter alcançado alto grau de desenvolvimento tecnológico e de produção de riquezas, há de se refletir a respeito da distribuição dos bens produzidos e do conhecimento adquirido. Se levarmos em conta a definição de ética humanitária, ao menos na teoria, definida pela ONU as nações mais desenvolvidas teriam o dever de se comprometer com a promoção do desenvolvimento desses territórios, para erradicação da fome, mas mantendo autonomia humana, política e técnica ao crescimento econômico e social dessas nações. O primeiro-ministro da Somália representa neste noticiário as vozes de muitas lideranças que denunciam essas atrocidades humanas que não podem ficar no obscuro desconhecimento mundial.

quarta-feira, 8 de março de 2017

VIOLÊNCIA EM EVENTOS URBANOS: QUAIS SÃO SUAS CAUSAS?




Quando assistimos nos telejornais algumas notícias de agressões como de torcidas organizadas concentradas a caminho de estádios de futebol, de grupos de foliões de carnaval promovendo invasão de edifícios residenciais, assédio e agressões físicas às mulheres em meio aos blocos de carnaval ficamos intrigados. São notícias fortalecem os argumentos dos que preferem permanecer no recanto do lar que sair em meio a multidão em períodos festivos ou em eventos de concentração de massa. Mas, para além de preferências pessoais de se reunir em eventos de massas ou de frequentar espaços mais recolhidos, cabe questionar quem são essas pessoas que agridem os outros e o que os levam agir desse modo quando se encontram em meio a multidão.

Em nosso imaginário, quando ouvimos ou assistimos os noticiários que alguma pessoa foi privada de liberdade por ter cometido esses tipos de agressões, nossa fantasia cria um personagem de cara fechada, feições de raiva, de comportamento rude e grosseiro e de aspecto sombrio. Entretanto, nossa imaginação nos leva ao engano em muitos dos casos e, nos sentimos surpreendidos que muitas dessas mesmas pessoas privadas de liberdade são descritas como pacíficas, solícitas, solidárias e de temperamento calmo por seus parentes, amigos e conhecidos. Um exemplo de um caso intrigante, foi quando, em 2013 um membro da torcida organizada Força Jovem do Vasco foi preso por ter sido identificado em imagens de vídeo, em que aparece agredindo com uma barra de madeira ou de ferro um torcedor do Atlético Paranaense, que já estava caído na arquibancada do estádio de futebol, em Joinville-SC. Quando os repórteres foram investigar como esse agressor era visto por seus parentes, amigos e conhecido em sua cidade natal, Nova Iguaçu-RJ, se surpreenderam ao descobrir que ele era reconhecido como um homem bem-humorado, educado, pacífico e empenhado em seu trabalho. Inclusive, já tinha participado de grupo jovem de uma igreja evangélica. Diante deste paradigma interrogações são feitas em nossa mente: que leva indivíduos com características semelhantes as descritas acima tomar atitudes violentas em agrupamentos de massas?

Partindo de argumentos de diversos especialistas em estudos humanos e sociais pode-se elencar algumas supostas causas:



a) a necessidade de buscar aceitação em determinados grupos que aprovam a valentia e a brutalidade, motiva muitas pessoas se comportarem com violência, mesmo que na própria consciência esta atitude seja moralmente reprovada.



b) O extravasamento de rancores e frustrações reprimidos em diversas áreas da vida, como familiar, profissional, econômica e afetiva que em concentração de massa os indivíduos se tornam encorajados em projetar contra os outros que, na maioria das vezes, não se tem conhecimento quem sejam eles.



c) Intolerância e preconceito a determinados grupos de pessoas, que em seu ambiente familiar e profissional muitos indivíduos se encontram receosos de expressarem sua fúria por conta da necessidade de contar com a segurança ao grupo em que se vive, e encontram-se mais estimulados em externar quando reunido em grupos de massa que partilham das mesmas ideologias.



d) Procura de aventura e adrenalina, mesmo que seja para entrar em conflito violento com outro.



Mesmo que em todas essas argumentações das ocorrências de agressões em meio aos grupos de massa em eventos urbanos não sejam suficientes para responder a todos esses fatos, mas esse tema merece atenção por ter se tornado comum nos espaços urbanos, como fatos sociais que cresceram com a concentração da população das cidades em movimento expansivo de densidade demográfica, como fenômeno da modernidade e, que continua perene na contemporaneidade.

sábado, 4 de março de 2017

FALECIMENTO DE ADOLESCENTE E QUESTÕES SOCIAIS

                        
No domingo, dia 26 de fevereiro de 2017, na Zona Norte da cidade de São Paulo, o adolescente João Vitor morreu após se encontrar envolvido numa confusão com os seguranças de uma filial da lanchonete Habib’s. Para esclarecer esta ocorrência ao menos duas versões foram noticiadas pela imprensa: a primeira é que João Vitor teria sofrido um mal súbito e, em decorrência disso entrou em óbito por parada cardio respiratória; e a outra versão é que o adolescente foi agredido pelos seguranças e, não resistindo os golpes, faleceu. E, diante da grande repercussão que ganhou esta ocorrência, os jornalistas coletaram por meio de entrevistas que João Vitor era conhecido pelos frequentadores do local, onde costumava pedir esmola e comida. Esse fato é uma das inúmeras expressões das questões sociais que merece atenção para reflexão.
Essa ocorrência está sendo investigada pela polícia. Caso a investigação comprove que o adolescente foi agredido, os seguranças hão de ser responsabilizados em conformidade com o Código Penal. Entretanto, caso seja esse o desfecho, por toda responsabilidade sobre os ombros desses seguranças e, considerar por encerrado esta ocorrência sem debates e reflexões em horizontes para além da área judicial, dificilmente se chegará à fonte dessas mazelas sociais; fatos semelhantes ocorrerão e, esses conflitos continuarão a se perenizar nos espaços urbanos. Pois, eles não ocorrem isoladamente como pode parecer de imediato aos nossos sentidos, mas há uma ligação interconectada com um ambiente social, que produz e reproduz relações interpessoais e sociais, originando diversas expressões das questões sociais, numa sociedade marcada por avanços tecnológicos por um lado, mas de desigual distribuição dos ganhos deste mesmo avanço por outro. E, uma dessas expressões é surgimento de pessoas pedintes, principalmente nos espaços urbanos das grandes metrópoles.          
Partindo da notícia do falecimento de João Vitor e da repercussão da mesma na sociedade, o ideal será que essa ocorrência não seja considerada solucionada após as conclusões dos trabalhos investigativos. Para os investigadores, enquanto no exercício profissional é compreensível esta postura, mas nós como cidadãos e membros da sociedade, podemos refletir mais profundamente sobre esses conflitos sociais. E, se tratando de seguranças de estabelecimentos comerciais, especificamente de alimentações, e de inúmeros pedintes são apresentados elementos que auxiliam pensar a nossa sociedade atual.
Os seguranças de estabelecimentos são pressionados, tanto pelos patrões quanto pelos clientes, em manter o local em segurança e, afastar quaisquer transtornos a estes, que inclui o afastamento de pedintes do recinto. Eles são ameaçados em perder espaço no mercado de trabalho, e assim correr riscos de não ter meios de garantir o sustento próprio e da família. Nessas circunstâncias os seguranças diariamente entram em confronto com diversos pedintes. Muitos dos pedintes são formados por moradores em situação de rua, dependentes químicos, pessoas de famílias com membros desempregados e subempregados e, alguns que ao perderem perspectivas de vida, tornaram a vida de pedinte como “emprego” para se sustentar. Diante deste cenário, este fato pode ser tratado para além dos limites judiciais, pois é uma expressão das questões sociais, que não se percebe de modo imediato como se costuma ver os fatos considerados isoladamente.

Portanto, se ampliarmos nossa visão, perceberemos no horizonte a necessidade de debates multidisciplinar, de temas transversais nas diversas áreas de conhecimento para não fixar nossa atenção na pequena ponta do fato que se apresenta de imediato aos nossos sentidos, e sim, no problema mais profundo que envolve a estrutura social que se sedimenta nas relações sociais que nos encontramos inseridos; que é mais abrangente do que nos informam as mídias televisiva e digital. E, compreenderemos também que há mais pessoas e instituições envolvidas nesses confrontos.

É OU PARECE SER

A vida e suas disputas. Hoje me vi cantando uma canção de Renato Russo que diz que tudo que é demais não é o bastante, que a primeira vez é ...