sexta-feira, 28 de abril de 2017

ESCOLA SEM PARTIDO: CAMINHO RETO OU DESVIRTUAMENTO PARA A EDUCAÇÃO?

Quando se pesquisa a opinião pública sobre qual área de política pública que necessita de mais investimentos, a educação aparece como umas das mais prioritárias. Quando se fala em educação, geralmente na consciência popular, ela é vista como ações pautadas na formação moral e intelectual das crianças e dos adolescentes, e que a instituição escolar é o espaço fundamental para o exercício formativo. Por outro lado, se tornou comum muitos indivíduos chamar atenção para o papel familiar para a formação de base para as pessoas humanas.

Atualmente, no Brasil um grupo de parlamentares e alguns membros da sociedade civil se mobilizaram para propor um projeto de lei para aplicar na educação brasileira conhecida como Escola sem Partido. Alguns dos argumentos defendidos por este grupo é o dever do Estado proporcionar o ensino nas escolas de forma neutra em relação às questões políticas, ideológicas e religiosas, ricas em pluralidade de ideias sem promover discursos doutrinários. Desta forma, os professores estarão vetados de incitar os alunos a aderir um partido político específico e de aliciá-los para participar de manifestações, reconhecendo-os como a parte cativa na relação de ensino-aprendizagem e, que atitudes educacionais consideradas doutrinações reduzirão a propagação de ensino neutro e plural e proporcionarão a manipulação da mente dos estudantes. Argumenta-se também que no caso de ensino religioso os pais possuirão o direito de interferir na definição de aceitar ou rejeitar a instrução de seus filhos em determinado credo religioso, com o intuito de evitar a transmissão de crenças contrárias às convicções de fé familiar aos filhos e de salvaguar a liberdade de crença. Temas relacionados à orientação sexual, essa corrente de pensamento defende que esse assunto seja trabalhado e esclarecido no ambiente familiar e não na escola, respeitando a fase de desenvolvimento das crianças e nas crenças familiares. Entretanto, esse projeto de lei recebeu diversas críticas por muitos profissionais da educação e movimentos sociais.

Os grupos contrários a este projeto de lei afirmam que ele veta a possibilidade de aprendizagem ampla por parte dos alunos, que os professores se sentirão pressionados e em constante vigilância, tanto do Estado quanto da família. Dessa forma, os professores ficarão em situação de desconforto e acuados para lecionar alguns assuntos de grande relevância ao processo de desenvolvimento humano aos alunos, por temor de serem interpretados como doutrinadores ou aliciadores de novos membros para uma determinada ideologia ou determinado partido político, se tornando passíveis de sofrer penalidades. Ao contrário do que afirmam os defensores da Escola sem Partido, os movimentos contrários a este projeto entendem que caso esse modelo de educação seja implantado, a propagação de ensino plural se empobrecerá e a liberdade de aprender, ensinar e divulgar o pensamento, a arte e o saber se tornarão negadas aos estudantes. Também, seus críticos afirmam que temas relacionados ao gênero devem ser debatidos em sala de aula, com o intuito de conscientizar os alunos sobre a questão da diversidade de gênero e evitar a disseminação de preconceito e padrão de comportamento cultural homofóbico.

No dia 13 de abril de 2017, conforme noticiado pelo jornal Estado de São Paulo os seguintes relatores da ONU, David Kaye, Boly Barry e Ahmed Shaheed enviaram ao governo brasileiro denúncias à iniciativa política da Escola sem Partido, entendendo que um projeto educacional como este poderá causar restrições à liberdade de expressão dos alunos e, os impedirem de receber informações fundamentais ao processo educativo; que sua implantação abrirá brechas para interferências arbitrárias de autoridades e pais nas escolas. Os relatores entendem que o governo brasileiro poderá descumprir os compromissos assumidos com a liberdade e a educação caso o projeto Escola sem Partido seja implantado.
 Essa notícia foi comemorada por membros de movimentos sociais que combatem esse projeto de lei; por outro lado, parlamentares comprometidos com a implantação da Escola sem Partido, a ela, apresentaram diversas críticas, afirmando que os relatores da ONU se negaram de participar dos debates expositivos que apresentavam a definição e a função desse modelo educacional e, por conta disso demonstram desconhecimento do projeto de lei e despreparo para intervir com essas denúncias.

Com essa postura da relatoria da ONU, e o embate político e ideológico que ocorre em torno deste projeto, será que a Escola sem Partido será implantada? Se implantada esse modelo educacional trará mais ganhos ou prejuízos às crianças e aos adolescentes?

quarta-feira, 19 de abril de 2017

QUE AS IGREJAS CRISTÃS BUSCAM?



Numa viagem de metrô por uma das linhas de São Paulo, embarcou um passageiro aparentando ter 60 anos de idade, pele curtida pelo sol, baixa estatura, calvo, de barba branca e espessa começou a pronunciar seus pensamentos, que parecia falar para todos os presentes, mas sem se fixar em algum ponto ou direção seu olhar, e ao mesmo tempo como se discursava para ninguém ou falava para si próprio em voz alta. E, dentre inúmeras palavras proferidas, ele afirmou que o mundo estava caminhando para ruína e, que as igrejas conduziam suas atividades de tal forma que não se sabia se era Jesus ou Satanás que as lidera. Nesse momento algumas pessoas o olharam, outras olharam para os evangélicos presentes e outros se entreolharam, mas sem dizer uma palavra um ao outro. Algumas pessoas poderiam diagnosticar o profeta do metrô como louco. Mas, se era loucura o que discursava, porém, nada foi tão absurdo ao ponto de encontrar muita lucidez nas misturas de suas palavras e ideias que poderiam parecer desconexas numa rápida percepção.

Contudo, por princípio é inegável, mesmo não se simpatizando com o cristianismo, a sua influência na formação cultural e moral do ocidente, que por séculos configurou na consciência das pessoas a visão de mundo a partir das crenças próprias dessa religião, que mesmo sofrendo históricas oposições de inúmeros intelectuais de diversos movimentos e correntes de pensamentos, permanece marcante no imaginário inconsciente dos homens e das mulheres do ocidente a visão personificada do bem e do mal, num antagonismo aberto de combates espirituais, tanto no mundo exterior quanto no interior de cada indivíduo, de Deus e o diabo, das forças celestiais e das forças infernais. Ciente desses fatos, se faz compreensível afirmar a importância que as igrejas cristãs ocupam na atualidade, em suas diferentes doutrinas e confissões cristãs. Todavia, o cenário atual de desenvolvimento econômico das igrejas cristãs evangélicas, dos séculos de poder hegemônico exercido pelo catolicismo ter decaído consideravelmente, da busca do próprio catolicismo de se manter ou recuperar o poder, as novas instruções de ensinamentos cristãos buscam hoje novos modelos de aperfeiçoamento retórico e avanços logísticos para conquistar maior números de fiéis em detrimento da qualidade do ensinamento doutrinário e fundamental da mensagem de Jesus Cristo em busca de se manterem vivos e dominantes dentro da nova realidade de mercado em que a religião fora inserida.

E, constantemente pelo país, novos líderes religiosos surgem no cenário do supermercado da fé promovendo cultos espetaculares, com aparato musical de qualidade e, esses pregadores preparados para entonar a voz, num ritmo alternado,  ao aumentar  e ao diminuir o volume, a suavizar em alguns momentos o discurso e em outros a utilizar um tom agressivo com o objetivo de causar comoção aos seus ouvintes. Por outro lado, os fiéis se encontram inseridos num contexto social marcado pelo individualismo nas relações pessoais, em que a escuta do outro se tornou escasso, e de intensa competição para se alcançar espaços no mercado de trabalho e nas organizações sociais, inclusive nas próprias igrejas. Neste cenário, as pessoas se tornam fragilizadas emocionalmente, socialmente, inseguras economicamente, se tornaram vulneráveis para serem atraídas para armadilhas retóricas das cerimônias religiosas, e se tornarem novas ovelhas contabilizadas para uma determinada igreja. Quando um líder religioso consegue êxito em atrair milhares ou mesmo milhões de fiéis, se autopromove como verdadeiro ungido de Deus, se colocando num patamar superior de humanidade, acima das demais pessoas. Muitos desses líderes buscam legitimidade como missionário do Senhor ao promover cultos com apresentação de shows de curas e testemunhos de milagres, com intuito de se fortalecer como celebridade espiritual na competição no mercado religioso.

Também, é interessante ressaltar que com o discurso retórico os líderes religiosos buscam garantir o lucro de suas igrejas. Com técnicas de oratória que causam comoções emotivas os fiéis se tornam mais propensos em aderir ao pagamento de dízimos e às doações de ofertas e campanhas. E, aqueles fiéis que não conseguem realizar tais pagamentos carregam dentro de si a culpa e a vergonha por não terem contribuído com a obra do Senhor e, que muitas almas se perderão por conta da falta de seus pagamentos e contribuições. Muitas igrejas cristãs também investem em shows musicais, estilo conhecido como gospel (o catolicismo também promove esses shows, mas não utiliza a mesma nomenclatura). Os cantores se apresentam ao grande público como missionários, evangelizadores ou servos do Senhor, e vivem comodamente no mesmo estilo dos artistas musicais ditos profanos, tornando o mercado artístico religioso cada vez mais almejado pelos novos grupos musicais religiosos, intensificando o acúmulo de riqueza do negócio religioso, inserido na dinâmica capitalista, apesar de muitos líderes cristãos proferirem discursos condenatório a este sistema econômico.

No catolicismo, numa tentativa de seu líder maior de ao menos imprimir uma imagem aos seus fiéis de uma igreja institucional que busca vida austera como narra a Sagrada Escritura, como foi a vida de Jesus e seus seguidores, Papa Francisco propôs, em discursos condenatórios aos luxos e opulência vivida pelos cardeais e muitos membros do clero, uma vida de sobriedade e de renúncia às comodidades e as facilidades de uma vida palaciana, para se tornarem coerentes com seus próprios discursos e ensinamentos catequéticos e doutrinais pregados nos púlpitos das paróquias e catedrais. Entretanto, esse papa vem sofrendo retaliação por sua postura e discursos, principalmente a oposição advinda da cúria romana. Os cardeais opositores relatam que eles não fazem oposição, apenas alertas que alguns pronunciamentos do Papa Francisco podem causar confusão nos fiéis e dificuldades na compreensão doutrinária, mas no pano de fundo é a rejeição dos "príncipes de Igreja de  Roma" da atitude de  Papa Francisco propor uma vida sóbria como relatada nos escritos dos evangelhos.

Analisando esta situação, as pessoas tem os mais variados comportamentos em relação às igrejas cristãs. Alguns fiéis buscam seguir os conteúdos doutrinários expostos pelos pregadores sem questionar a validade das informações transmitidas e, se sentem culpadas por não conseguirem seguir todas as normas morais exigidas por eles ou pelos documentos doutrinais das igrejas, sem se dar conta da impossibilidade de viver o estilo moral que lhes exigem, nem os próprios pregadores não vivenciam em seu cotidiano. Há fiéis que escutam as pregações, mas em seu íntimo fazem inúmeros questionamentos e levantam diversas dúvidas, mas guardam para si seu ponto de vista por temer retaliações dos líderes e dos demais fiéis. Mas, encontra-se fiéis que apesar de participar assiduamente dos cultos religiosos, apresentam críticas abertamente, se tornando uma ameaça aos líderes, e por conta disso são afastados das igrejas cristãs. Muitos se afastam das igrejas cristãs após participar por anos dedicados em busca ideal de verdade da fé ao constatar que nesse tempo de inserção nas reuniões religiosas, que as pregações não são coerentes com a prática de vida de quem prega e de quem se diz seguir os conteúdos pregados como servos do Senhor e batizados. Alguns se mantém distantes das igrejas e fazem críticas e elas, e outros são indiferentes à existência e a função delas na sociedade.

É reconhecido que a formação moral do ocidente foi moldada pelos ensinamentos doutrinários de origem judaica-cristã, e que em muitas localidades, no séc. XX, algumas igrejas surgiram como espaços de acolhidas aos mais pobres, principalmente aos migrantes oriundos de outras regiões do país. Nas regiões periféricas dos centros urbanos, as igrejas exerceram o papel de arrefecimento das explosões de violência e em meio à precariedade das políticas públicas as lideranças religiosas tornaram-se mediadores, amenizando os danos causados pelos confrontos violentos. E, também muitas igrejas cristãs se destacaram na organização de movimentos sociais que lutaram em defesa dos direitos humanos. Porém, atualmente se percebe que as igrejas disputam por arrebanhamentos de fiéis, em busca do lucro e da sobrevivência institucional num mundo de intensa concorrência e de confrontos também com número crescente de pessoas indiferentes às igrejas. E, nessa concorrência, muitas vezes se vale mais convencer o fiel pela publicidade, mesmo de conteúdo superficial e falaciosa que pela autenticidade de uma proposta existencial de vida. Diante disso, se pode deixar para a nossa sociedade, em que a visão de mundo foi fortemente marcada pelo imaginário religioso cristão, a reflexão da relevância  das igrejas na sociedade atual  e como elas podem contribuir para confrontar os dilemas sociais, políticos e religiosos em todo este cenário.

terça-feira, 11 de abril de 2017

ABORTO: OPOSIÇÃO E DISSENSO


No dia 7 de março de 2017, O Estado de São Paulo, na pessoa da jornalista Daiane Cardoso, noticiou que representantes do PSOL entraram com ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) no STF com a finalidade de requerer a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Na petição da ADPF há diversos argumentos que buscam sustentar a necessidade legal de garantir a autonomia e a cidadania das mulheres, especialmente as mais vulneráveis em sofrer descriminalizações como as negras, indígenas e pobres que se submetem ao procedimento de aborto em clínicas clandestinas instaladas de forma inadequadas, em condições insalubres e precárias em prestar o devido atendimento. Essa ação movida pelos representantes do PSOL reacende um debate polêmico, que se encontra distante de encontrar unanimidade nas instituições jurídicas e políticas e, também na opinião pública. E, tanto os favoráveis quanto aos contrários a descriminalização do aborto sedimentam seus argumentos nos princípios fundamentais do direito da pessoa humana.
Com ADPF, os representantes do PSOL questionaram junto ao STF os artigos 124 e 126 do Código Penal, que dizem respeito às penalidades para as mulheres que cometem o aborto e para as pessoas que realizaram esse procedimento, por entenderem que esses artigos violam os preceitos fundamentais das mulheres de cidadania e autonomia e, que a permanência da criminalização do aborto é uso do poder coercitivo do Estado para impedir o pluralismo razoável. Este partido é formado por muitos membros que se desfiliaram do PT, para manterem-se coerentes com suas principais agendas ideológicas que acreditam serem importantes para construção de uma sociedade mais justa e de uma democracia mais participativa. E, uma das reivindicações que eles defendem é a garantia da autonomia das mulheres decidirem levar ou não adiante uma gestação.
A defesa da descriminalização do aborto no Brasil está em crescimento constante com a agenda de alguns partidos políticos e movimentos sociais, especialmente de membros feministas, com diversos argumentos que se alicerçam nos princípios fundamentais de autonomia e liberdade da pessoa humana. Um dos argumentos mais conhecidos é garantir a mulher o direito por decidir livremente pelo uso de seu próprio corpo. Os defensores do aborto afirmam que a descriminalização do aborto favorecerá a mulher projetar com mais liberdade a constituição familiar que se deseja. E, se tratando da estrutura de sociedade em que nos encontramos, as mulheres são ainda a maiores portadoras do ônus na formação familiar e no cuidado dos filhos. Exemplo desse ônus quando há notícias de adolescentes autores de atos infracionais detidos pela polícia. O questionamento mais apresentado é que as mães são as responsáveis pelas ocorrências de infrações cometidas por esses adolescentes. Acrescenta-se para compreender o jugo carregado pelas mulheres é a atitude dos homens serem mais propensos em abandonar o lar e a família, não assumindo as responsabilidades da educação e cuidado dos filhos. Mesmo com reconhecimento formal da lei para garantir a segurança e o sustento das crianças e dos adolescentes por meio da aplicação da cobrança da pensão alimentícia, muitos homens que abandonaram suas famílias se negam a cumprir e, os que cumprem a lei, esse procedimento é apenas um reparo, mas estruturalmente o fardo permanece como jugo pesado para as mulheres.
Mas, também há diversos movimentos conhecidos como pró-vida que são contrários a descriminalização do aborto, que a maior parcela de seus membros são ligados às instituições religiosas de confissão cristã. No Brasil, com o crescimento da representação parlamentar de membros das igrejas evangélicas, muitas destas formaram grupos de fiéis que assumiram a vanguarda para defender a conservação da proibição do aborto. Entretanto, tanto em nosso país quanto em outras partes do mundo, os movimentos pró-vida ligados à Igreja Católica apresentam grandes destaques na militância em defesa da vida desde a concepção e, assim condenando a prática do aborto. O argumento que mais se sobressai dos grupos pró-vida é o respeito ao princípio fundamental de direito à vida o qual nem a gestante tem o direito de interferir no desenvolvimento de sua gestação. Em muitas doutrinas religiosas o aborto é considerado assassinato e, de uma pessoa indefesa aumentando sua gravidade.
Com duas posições que se opõem a respeito do aborto se percebe que seja qual for a decisão do STF, este tema estará distante de consenso na opinião pública. Esse conflito não é somente político e jurídico. Ele se dá também na esfera religiosa, ocupando o espaço da sacralidade, onde habita a concepção de virtude e pecado, de recompensa e castigo que exerce importante influência na visão de mundo e de vida em grande parcela da população brasileira. Contudo, o aborto é uma prática comum e frequente em nosso país, em que as mulheres de famílias ricas que procuram abortar, se submetem a este procedimento em clínicas com instalações adequadas para tal finalidade e, preparadas para prestar socorro caso ocorra complicações durante a realização da retirada do feto. As mulheres de famílias mais pobres quando decidem por se submeter a um procedimento de aborto, realizam em locais com instalações insalubres e, em condições precárias para prestar socorro caso ocorra semelhantes complicações.
Diante deste cenário de debates e lutas dos movimentos opostos, ainda haverá muitos capítulos de conflitos e, muita distância para se chegar a um consenso.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

LIVRE MERCADO E CÁRCERE DO PRECONCEITO



O mundo empresarial é um atrativo para inúmeros jovens ascender na carreira profissional. Muitos destes são oriundos de famílias de baixa renda, que favorecidos com os investimentos sociais e de educação de nível superior dos últimos anos alcançaram a formação acadêmica, a qual seus pais nem sequer almejavam, por terem sido criados num contexto político-social em que esse horizonte nem a eles eram apresentados. Com esses novos investimentos, oportunidades de desenvolvimento profissional se abriram no horizonte aos jovens das aŕeas periféricas, que se dedicam, entre uma rotina de trabalho e estudos a buscar uma colocação em grandes empresas, buscando também moldar sua postura e comportamento se adequando à cultura do ambiente empresarial. Entre esse grupo de jovens, há os negros. Aparentemente, dentro da lógica da doutrina neoliberal o mercado se rege pela livre concorrência, em que o mérito consiste pela qualificação e potencialidade do profissional em alcançar um cargo na empresa, sem passar pelo crivo criterioso de sua cor de pele e origem étnica. Ao menos na teoria esse é o ensinamento neoliberal.

Entretanto, BBC Brasil publicou no dia 30 de março de 2017 uma notícia em que o presidente da Bayer no Brasil denunciou, em seu perfil na rede social Linkedin, que um jovem conhecido por ele, de cor negra, com um excelente formação e currículo para assumir alto cargo empresarial foi rejeitado numa entrevista de trabalho numa grande empresa não por ter alguém mais gabaritado para assumir o cargo, mas por ser negro. O empresário que negou a entrevista e este jovem, sem cerimônia, chamou atenção do responsável pela equipe de RH, na presença do jovem que seria entrevistado que não contrata pessoas de cor negra e, era para ter ciência deste costume, pois, na empresa não tinha funcionários negros. Quando o jovem foi agradecer o presidente da Bayer pela indicação para tal empresa e relatou o ocorrido, este o aconselhou que fizesse uma denúncia. O que causou espanto no presidente da Bayer, foi o jovem se recusar a fazer a denúncia por medo de sofrer represália no mundo empresarial, não ser mais contratado em lugar algum, e perder anos de dedicação e formação para construir um vasto currículo, mesmo sendo oriundo de família de baixa renda.

Esse fato ilustra que a cor da pele é utilizada para  apreciação das características fundamentais da potencialidade, conduta moral e capacidade intelectual dos indivíduos, que pode ser um dos fatores para explicar um dos motivos de haver pouquíssimos negros assumindo os cargos mais altos nas grandes empresas. A aparência percebida pela quantidade de melanina na pele é ainda em muitos espaços sociais fator que pode abrir ou fechar as portas para inúmeros jovens com grandes potencialidades profissionais. Essa questão nas relações sociais em nosso país se torna um pavio que se pode acender em qualquer momento e, acirrar conflitos raciais, mesmo sendo um país com a população altamente miscigenada.

Diante de muitas ocorrências que manifestam conotações raciais, os mais diversos movimentos e associações que buscam ações afirmativas da valorização das pessoas negras na sociedade, que apresentam estudos sobre o racismo, a situação dos negros na sociedade e que buscam propor ações políticas para a defesa dessa grande parcela da sociedade brasileira. Uma das iniciativas mais debatidas e aprovadas pelo Estado brasileiro é a política de cotas para as pessoas declaradas negras nas universidades públicas e para cargos assumidos por meio de concursos ou processos seletivos públicos. Há um grupo que defende a política de cotas como fundamental para implantar a justiça social e minimizar o racismo no Brasil na esperança de um dia ser erradicado. Há quem defenda esta política como necessária no momento, mas não suficiente para minimizar os impactos das questões raciais pois, é uma política paliativa e se não houver outras mudanças estruturais na sociedade e na ação política, se tornará com tempo uma concessão de favor. Entretanto, há um grupo que diverge da política de cotas, analisando-a como atitude de acirramento dos conflitos raciais, e que também exporá a figura do negro como aparente pessoa humana inferior em relação ao branco.

Considerando as diferentes opiniões que se apresentam nos mais diversos espaços de debates a respeito da política de cotas, há uma ferida na sociedade brasileira, que são camufladas de muitos modos a respeito da discriminação da cor da pele, em que o juízo de valor e a capacidade intelectual se paute por uma análise de clarificação da cor da pele para a seleção de candidatos para concorrer aos postos mais altos no mercado de trabalho. E, se tratando de política de cotas, ela pode ter grande valor como apresenta seus defensores, entretanto, só sua execução não poderá modificar a construção do inconsciente coletivo de nosso povo. Será necessário implementações de políticas mais sólidas de formação de base, que levarão décadas ou mesmo séculos para produzir frutos mais amadurecidos na inconsciência da coletividade, para assim, os indivíduos trazer essa nova formação para a própria consciência a nova percepção da pessoa humana, sem se pautar pela valoração de cor de pele para realizar julgamento moral e intelectual.

terça-feira, 4 de abril de 2017

CULTURA DA MODA E BÁRBARIE


Quando se faz reflexões de estudos da cultura, sociedade, política e outras mais áreas de estudos humanos e sociais por meio de literatura de corrente marxista, é comum se utilizar termos como classe dominante, pensamento hegemônico e ideologia dessa mesma classe que domina os espaços das relações sociais e da cultura. Claro que nem todos os estudiosos concordam com o modo de analisar os estudos humanos e sociais por meio da corrente marxista e, isso é favorece a diversificação do pensamento e evita reducionismos de manter os estudos acadêmicos e formação profissional como forma de doutrinamento. Na religião, cada confissão de fé constrói sua base doutrinária como verdade de fé, mas na ciência o doutrinamento não enriquece na busca de conhecimento com base em comprovação em investigações palpáveis e concretas, e quando alguém se apresenta como científico, mas se prende em conceitos doutrinários específicos e imutáveis, dificilmente se evitará em cair em erros graves e danosos para o indivíduo e sociedade.
Nesta reflexão serão usados termos comuns na literatura marxista para comentar sobre a cultura dominante da moda e beleza, que tem se tornado pensamento hegemônico mesmo sem base de sustentação de comprovação científica. E, se tratando da visão de ideal de beleza, conforme o pensamento hegemônico de mercado da moda, as mulheres são mais afetadas por esta ideologia e, que interferem cotidianamente em sua autoestima. O padrão de beleza introjetado na consciência coletiva por uma visão uniformizadora tem propagado um estilo de comportamento que legitima a exclusão e o descarte das pessoas que não atendem esse padrão. Ao pesquisar narrativas de mulheres gordas, podemos coletar informações que mostram situações constrangedoras por elas sofridas, constatando que o domínio da cultura da moda causa comportamentos perversos, que encontram legitimidade para ser cruel e hostil com as pessoas fora do que se é determinado como belo.
E, esse tipo de legitimidade para comentar sobre pessoas gordas com crueldade se reveste muitas vezes com a pele de liberdade de expressão. Nas redes sociais se tornaram comuns as agressões às pessoas consideradas fora do padrão de beleza, com requinte de crueldade semelhante ao tempero de propagação do racismo. Num blog, um blogueiro que apenas se identifica com as iniciais de seu nome e sobrenome apresenta seus argumentos sobre mulheres como sendo o porta-voz de todos os homens. Com isso, responde as perguntas de seus usuários como especialista da mentalidade e desejo masculino, que tem como pano de fundo um pensamento hegemônico que manipula a visão do que é ser masculino, do que esse deseja, se comporta e analisa como belo.
E, numas das dúvidas apresentadas ao blogueiro responder, uma internauta descreveu que sua amiga, simpática, bonita e gordinha que apesar das qualidades, aos 25 anos não tinha se relacionado com nenhum homem. Essa questão foi a porta de entrada ao blogueiro justificar que o fato da amiga da internauta ser gorda é o motivo principal dela não ter conseguido se relacionar com homem algum. E, para reforçar seu argumento, afirma que o fato do homem apresentar interesse sexual por uma mulher por meio do sentido visual, ele não se sente estimulado sexualmente por mulheres gordas. E, ainda caracterizou amiga da internauta como hipopótamo.
Ao se apropriar de argumentos pautados por visão preconceituosa e pseudo-científica, o misterioso blogueiro concluiu por uma possível lógica o fato do despertar do desejo sexual masculino passar principalmente pelo sentido visual a repulsa por mulheres gordas. Entretanto, o fato do homem se despertar sexualmente por uma mulher pelo sentido visual, não significa que é apenas por mulheres consideradas dentro do padrão de beleza desta cultura dominante, pois, os desejos e gostos estéticos masculinos não são uniformes como deseja impor o mercado dominante da moda. O pensamento hegemônico divulga pelos meios de comunicação uma visão uniforme de ideal de beleza, causando conseqüências destrutivas para milhares de homens e mulheres, sem sustentação verídica pelos meios científicos.
Para encerrar essa reflexão, será descrito um fato real narrado pela irmã de uma vítima fatal da cultura hegemônica da estética.
Uma jovem, mais ou menos com 24 anos, habitante da cidade de São Paulo, sonhadora com a estabilidade profissional e constituição de uma família, se apaixonou por um rapaz, do apartamento vizinho do prédio onde residia. Como uma moça apaixonada, buscava coragem para se declarar. Um dia tomou a decisão e se declarou ao rapaz seu sentimento e, o desejo de namorá-lo. Esse rapaz respondeu que não aceitaria, pois sentiria vergonha de andar de mãos dadas na rua com uma mulher gorda. A jovem recebeu a negativa da forma que foi dada como um duro golpe. Uma ferida se abriu e, que mais para final da narrativa se perceberá que nunca mais se cicatrizou.
E, seguindo adiante a vida, após esse evento traumático, a jovem acrescentou na rotina do dia a dia, a agenda de dieta para emagrecer. Com essa atitude emagreceu muitos quilos.
Meses depois, ela se encontrou com o mesmo rapaz pelos corredores do prédio. Ao notar a diferença física da jovem, ele disse que com o corpo no estado que ela se encontrava atualmente já poderia namorá-la. Essa segunda observação do rapaz foi mais um duro golpe. Dessa vez foi fatal. A jovem se retirou da presença dele aparentando serenidade, entrou no prédio onde morava e, se jogou pela janela.
A pressão por atender o apelo da cultura dominante da moda tem causado adoecimento em muitas mulheres. Os comentários e as brincadeiras advindas de muitas pessoas, inclusive das mais próximas como familiares, esposos e amigos, que aparentam ser amistosas são venenos para a alma e deterioram a autoestima das pessoas consideradas fora do padrão cultural da beleza. E, essa imposição cultural tem legitimado atitudes perversas que cotidianamente ocorrem pelos espaços urbanos, e em até nas relações familiares. Exigências divulgadas pelo mercado da moda adoecem não somente as modelos, mas também uma sociedade, principalmente as mulheres que são mais pressionadas para manter o padrão de beleza que este mercado define.

É OU PARECE SER

A vida e suas disputas. Hoje me vi cantando uma canção de Renato Russo que diz que tudo que é demais não é o bastante, que a primeira vez é ...