segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

AMOR HUMANO PODE SER DIVINO?


Um sentimento difícil de se definir é o amor. E, há quem afirme que ele não é simplesmente um sentimento, mas também, uma atitude de vida e força de atração intensa para algo ou alguém. O que não pode haver é confusão com emoção. As emoções são múltiplas e confusas que experimentamos no decorrer dos dias de nossa vida; mas o amor se mantém solidificado em meio às turbulências emocionais que fazem parte de nossas contingências. Há pensadores que afirmam que o fato do amor ser atração intensa em possuir o objeto amado, inevitavelmente causa sofrimento ao espírito humano até pela sensação de ameaça de afastamento e/ou perda desse mesmo objeto. Talvez essa linha de pensamento ilumine a busca de respostas do motivo da condição da vida humana ser atravessada pela fadiga e dor, apesar dos sonhos intensos de felicidade.
Porém, o que pretendo tratar nesta reflexão é da experiência de amor na relação do divino com o humano que a Sagrada Escritura retrata em suas inúmeras passagens. Falar de amor na Sagrada Escritura se pode tornar um tema controvertido, pois muitas pessoas frisam das narrativas bíblicas os fenômenos que evidenciam a ira e o rancor divino pesando sobre a vida dos seres humanos. Essa temática de amor x ódio do ser divino poderá render um grande debate. Entretanto, deixemos para uma outra ocasião. Neste texto o foco ficará sobre o tema do amor.
E, para mostrar essa rica experiência a narrativa do primeiro capítulo do livro do Gênesis é muito sugestivo. Nele retrata ordenamento de Deus para que se faça a natureza e todo o universo. Após o mundo se tornar um local habitável para que a vida humana seja possível, Deus, por fim, ordena que homem e a mulher sejam feitos como sua imagem e semelhança. E, assim foi feito esses seres inteligentes, num mundo de possibilidades deles também criar meios para conservar a vida de sua espécie. Porém, hoje é conhecido que muitas escolhas humanas em dominar a natureza causaram diversos desastres ecológicos. E, a ânsia de uns dominar os outros originaram armamentos que ameaçam até a possibilidade desse mundo se manter como ambiente habitável para vida de homens e mulheres. Colocando em xeque que tudo isso é bom e muito bom, como foram as palavras proferidas pela boca de Deus
Retomando a Sagrada Escritura, encontra-se exemplificações da relação do divino com o ser humano como uma aliança esponsal, em que o comprometimento de fidelidade é fundamental para manutenção da integridade dessa relação. Há narrativas que apresentam as atitudes corrompidas e criminosas dos seres humanos como infidelidade à aliança com Deus, comparado como a infidelidade da esposa para com o marido. Dessa experiência se revela um gesto intrigante do amor, que se passa pelo perdão concedido por Deus da infidelidade sofrida e, que acolhe novamente ao convívio esponsal aquelas pessoas que lhe traíram para reconstruir a convivência harmoniosa. Há a comparação de amor maternal que não abandona seu filho mesmo em condições de indigência e, outras mais que podem ser exemplificadas para tratar de fatos semelhantes.
Também se pode encontrar no Novo Testamento exemplos que falam da relação do amor divino ao humano. E, aquele que é o maior paradigma para a confissão de fé dos seguidores de Jesus Cristo: o reconhecimento de que ele é filho de Deus, que tendo a natureza divina se encarnou como ser humano em toda sua contingência, para amar e sofrer as mesmas agruras da condição da natureza humana. E, muitos ensinamentos o divino humano, Jesus, foram registrados pelos evangelistas. E, desses podemos usar como exemplos da atitude de amor as passagens em que aponta a acolhida das crianças como pré-condição de recepção da acolhida do Reino dos Céus, e a sua identificação com os indigentes.
Quando Jesus disse para deixar as criancinhas dele se aproximar, reunido diante de uma multidão que as enxotavam, porque delas é o Reino dos Céus que significado tem essa afirmação? É comum nos púlpitos das igrejas os pregadores interpretarem esta passagem bíblica a destacar a natureza infantil como inocente, e as crianças cobertas por uma áurea pura e um espírito aberto para sofrer as influências do meio em que vivem. Entretanto, há um ponto de vista que pouco se é levado em conta em muitas pregações: os maus tratos e extermínios de crianças muito comum no tempo e na sociedade em que viveu Jesus.
No tempo em que Jesus habitou esse mundo, a sociedade no qual fez parte não era muito afetuoso com as crianças. Muitas delas sofriam maus tratos e chegavam mesmo a falecer. Essa realidade não causava muita comoção como no tempo atual e, inconcebível era a ideia de direitos da criança e do adolescente. O poder constituído não se preocupava em aplicar punição para as pessoas que cometiam essas atrocidades e, as crianças eram seres tão desprovidas de proteção que ninguém sentia simpatia em desejar voltar ao tempo infantil. E, como gesto desse amor divino, Jesus disse para deixá-las aproximar dele, afirmando que delas é o Reino dos Céus e afirmou ainda mais: que para receber a recompensa de entrar nesse reino deve uma criança se tornar.
Seguindo para o capítulo 25 do Evangelho de Mateus, encontra-se a narrativa em que Jesus bendize as ovelhas e as chama para junto de si, recompensando-as por terem socorridos os indigentes em suas necessidades; e maldiz os cabritos e os afasta de sua presença por estas não terem atendidos os indigentes em sua miséria. O amor manifestado nesta narrativa como revelação de que o divino é cada pessoa, em sua pobreza e miséria e por isso Jesus afirma que atender a necessidade do indigente, dando-lhe alento e dignidade é a ele próprio que se acolhe.
Diante dessa narrativa do livro sagrado dos cristãos é legítimo apresentar as seguintes indagações? Se sim, podemos seguir adiante a refletir sobre o amor divino com os questionamentos abaixo para nós, seres humanos:
Será que há a possibilidade desse mesmo amor ser transposto para a relação entre as pessoas humanas em nosso cotidiano? Há a possibilidade de ver o divino em outras pessoas? Parece ser simples, mas como vivemos num ambiente social conflituoso em que há constantes divergências, em que diversos desentendimentos de definir a divisão de ocupação de espaços sociais surgem diariamente, desde espaços de quarteirões dos bairros urbanos e pedaços de terras rurais, até a explorações de riquezas do solo por diversas nações do mundo; disputa por legitimidades de posições ideológicas como verdadeiras, aumento frequente de acirramento de competições como ato de sobrevivência, numa guerra de todos contra todos que não se poupa nem as relações dos membros de uma mesma família.
Portanto, falar para as pessoas ver o divino nas outras, inclusive em seus desafetos pode ser interpretado como uma norma ofensiva e, despertar dores que poderiam se encontrar adormecidas ou cicatrizadas na interioridade de muitas destas mesmas pessoas.
Essa questão talvez seja o grande enigma de atitude de vivência da fé cristã.

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