Numa viagem
de metrô por uma das linhas de São Paulo, embarcou um passageiro
aparentando ter 60 anos de idade, pele curtida pelo sol, baixa
estatura, calvo, de barba branca e espessa começou a pronunciar seus
pensamentos, que parecia falar para todos os presentes, mas sem se
fixar em algum ponto ou direção seu olhar, e ao mesmo tempo como se discursava para ninguém ou falava para si próprio em voz alta. E, dentre inúmeras palavras
proferidas, ele afirmou que o mundo estava caminhando
para ruína e, que as igrejas conduziam suas atividades
de tal forma que não se sabia se era Jesus ou Satanás que as lidera. Nesse momento algumas pessoas o olharam, outras
olharam para os evangélicos presentes e outros se entreolharam, mas sem
dizer uma palavra um ao outro. Algumas pessoas poderiam diagnosticar
o profeta do metrô como louco. Mas, se era loucura o que discursava, porém, nada foi tão absurdo ao ponto de encontrar muita lucidez nas
misturas de suas palavras e ideias que poderiam parecer desconexas numa rápida percepção.
Contudo, por princípio é inegável,
mesmo não se simpatizando com o cristianismo, a sua influência na
formação cultural e moral do ocidente, que por séculos configurou
na consciência das pessoas a visão de mundo a partir das crenças
próprias dessa religião, que mesmo sofrendo históricas oposições
de inúmeros intelectuais de diversos movimentos e correntes de
pensamentos, permanece marcante no imaginário inconsciente dos
homens e das mulheres do ocidente a visão personificada do bem e do
mal, num antagonismo aberto de combates espirituais, tanto no mundo
exterior quanto no interior de cada indivíduo, de Deus e o diabo, das
forças celestiais e das forças infernais. Ciente desses fatos, se
faz compreensível afirmar a importância que as igrejas cristãs
ocupam na atualidade, em suas diferentes doutrinas e confissões
cristãs. Todavia, o cenário atual de desenvolvimento econômico das igrejas
cristãs evangélicas, dos séculos de poder hegemônico exercido
pelo catolicismo ter decaído consideravelmente, da busca do próprio catolicismo de se manter ou
recuperar o poder, as novas instruções de ensinamentos cristãos buscam hoje novos modelos de aperfeiçoamento retórico e
avanços logísticos para conquistar maior números de fiéis em
detrimento da qualidade do ensinamento doutrinário e fundamental da
mensagem de Jesus Cristo em busca de se manterem vivos e dominantes dentro da nova realidade de mercado em que a religião fora inserida.
E,
constantemente pelo país, novos líderes religiosos surgem no
cenário do supermercado da fé promovendo cultos espetaculares, com
aparato musical de qualidade e, esses pregadores preparados para entonar a voz, num
ritmo alternado, ao aumentar e ao diminuir o volume, a suavizar em
alguns momentos o discurso e em outros a utilizar um tom agressivo com o objetivo de causar comoção aos seus ouvintes. Por outro lado, os fiéis se
encontram inseridos num contexto social marcado pelo individualismo
nas relações pessoais, em que a escuta do outro se tornou escasso,
e de intensa competição para se alcançar espaços no mercado de
trabalho e nas organizações sociais, inclusive nas próprias
igrejas. Neste cenário, as pessoas se tornam fragilizadas
emocionalmente, socialmente, inseguras economicamente, se tornaram vulneráveis para serem atraídas para armadilhas
retóricas das cerimônias religiosas, e se tornarem novas ovelhas
contabilizadas para uma determinada igreja. Quando um líder
religioso consegue êxito em atrair milhares ou mesmo milhões de
fiéis, se autopromove como verdadeiro ungido de Deus, se colocando
num patamar superior de humanidade, acima das demais pessoas. Muitos
desses líderes buscam legitimidade como missionário do Senhor ao promover cultos com apresentação de shows de curas e testemunhos
de milagres, com intuito de se fortalecer como celebridade espiritual
na competição no mercado religioso.
Também, é
interessante ressaltar que com o discurso retórico os líderes
religiosos buscam garantir o lucro de suas igrejas. Com técnicas de
oratória que causam comoções emotivas os fiéis se tornam mais
propensos em aderir ao pagamento de dízimos e às doações de
ofertas e campanhas. E, aqueles fiéis que não conseguem realizar
tais pagamentos carregam dentro de si a culpa e a vergonha por não
terem contribuído com a obra do Senhor e, que muitas almas se perderão por conta da falta de seus pagamentos e contribuições. Muitas igrejas
cristãs também investem em shows musicais, estilo conhecido como
gospel (o catolicismo também promove esses shows, mas não utiliza a
mesma nomenclatura). Os cantores se apresentam ao grande público
como missionários, evangelizadores ou servos do Senhor, e vivem
comodamente no mesmo estilo dos artistas musicais ditos profanos,
tornando o mercado artístico religioso cada vez mais almejado pelos
novos grupos musicais religiosos, intensificando o acúmulo de
riqueza do negócio religioso, inserido na dinâmica capitalista,
apesar de muitos líderes cristãos proferirem discursos
condenatório a este sistema econômico.
No
catolicismo, numa tentativa de seu líder maior de ao menos imprimir
uma imagem aos seus fiéis de uma igreja institucional que busca vida
austera como narra a Sagrada Escritura, como foi a vida de Jesus e
seus seguidores, Papa Francisco propôs, em discursos condenatórios
aos luxos e opulência vivida pelos cardeais e muitos membros do
clero, uma vida de sobriedade e de renúncia às comodidades e as
facilidades de uma vida palaciana, para se tornarem coerentes com
seus próprios discursos e ensinamentos catequéticos e doutrinais
pregados nos púlpitos das paróquias e catedrais. Entretanto, esse
papa vem sofrendo retaliação por sua postura e discursos,
principalmente a oposição advinda da cúria romana. Os cardeais
opositores relatam que eles não fazem oposição, apenas alertas que
alguns pronunciamentos do Papa Francisco podem causar confusão nos
fiéis e dificuldades na compreensão doutrinária, mas no pano de
fundo é a rejeição dos "príncipes de Igreja de Roma" da atitude de Papa Francisco propor
uma vida sóbria como relatada nos escritos dos evangelhos.
Analisando
esta situação, as pessoas tem os mais variados comportamentos em
relação às igrejas cristãs. Alguns fiéis buscam seguir os
conteúdos doutrinários expostos pelos pregadores sem questionar a
validade das informações transmitidas e, se sentem culpadas por não
conseguirem seguir todas as normas morais exigidas por eles ou pelos documentos doutrinais das igrejas, sem se dar conta da
impossibilidade de viver o estilo moral que lhes exigem, nem os
próprios pregadores não vivenciam em seu cotidiano. Há fiéis que
escutam as pregações, mas em seu íntimo fazem inúmeros
questionamentos e levantam diversas dúvidas, mas guardam para si seu
ponto de vista por temer retaliações dos líderes e dos
demais fiéis. Mas, encontra-se fiéis que apesar de participar
assiduamente dos cultos religiosos, apresentam críticas abertamente,
se tornando uma ameaça aos líderes, e por conta disso são
afastados das igrejas cristãs. Muitos se
afastam das igrejas cristãs após participar por anos dedicados em busca ideal de verdade da fé ao constatar que nesse tempo de inserção nas reuniões religiosas, que as pregações não são
coerentes com a prática de vida de quem prega e de quem se diz
seguir os conteúdos pregados como servos do Senhor e batizados.
Alguns se mantém distantes das igrejas e fazem críticas e elas, e
outros são indiferentes à existência e a função delas na
sociedade.
É
reconhecido que a formação moral do ocidente foi moldada pelos
ensinamentos doutrinários de origem judaica-cristã, e que em muitas
localidades, no séc. XX, algumas igrejas surgiram como espaços de
acolhidas aos mais pobres, principalmente aos migrantes oriundos de
outras regiões do país. Nas regiões periféricas dos centros
urbanos, as igrejas exerceram o papel de arrefecimento das explosões
de violência e em meio à precariedade das políticas públicas as
lideranças religiosas tornaram-se mediadores, amenizando os
danos causados pelos confrontos violentos. E, também muitas igrejas
cristãs se destacaram na organização de movimentos sociais que
lutaram em defesa dos direitos humanos. Porém, atualmente se percebe
que as igrejas disputam por arrebanhamentos de fiéis, em busca do
lucro e da sobrevivência institucional num mundo de intensa
concorrência e de confrontos também com número crescente de pessoas
indiferentes às igrejas. E, nessa concorrência, muitas vezes se
vale mais convencer o fiel pela publicidade, mesmo de conteúdo superficial e
falaciosa que pela autenticidade de uma proposta existencial de vida.
Diante disso, se pode deixar para a nossa sociedade, em que a visão
de mundo foi fortemente marcada pelo imaginário religioso cristão, a reflexão da relevância das igrejas na sociedade atual e como elas podem contribuir para
confrontar os dilemas sociais, políticos e religiosos em todo este cenário.
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