quarta-feira, 19 de abril de 2017

QUE AS IGREJAS CRISTÃS BUSCAM?



Numa viagem de metrô por uma das linhas de São Paulo, embarcou um passageiro aparentando ter 60 anos de idade, pele curtida pelo sol, baixa estatura, calvo, de barba branca e espessa começou a pronunciar seus pensamentos, que parecia falar para todos os presentes, mas sem se fixar em algum ponto ou direção seu olhar, e ao mesmo tempo como se discursava para ninguém ou falava para si próprio em voz alta. E, dentre inúmeras palavras proferidas, ele afirmou que o mundo estava caminhando para ruína e, que as igrejas conduziam suas atividades de tal forma que não se sabia se era Jesus ou Satanás que as lidera. Nesse momento algumas pessoas o olharam, outras olharam para os evangélicos presentes e outros se entreolharam, mas sem dizer uma palavra um ao outro. Algumas pessoas poderiam diagnosticar o profeta do metrô como louco. Mas, se era loucura o que discursava, porém, nada foi tão absurdo ao ponto de encontrar muita lucidez nas misturas de suas palavras e ideias que poderiam parecer desconexas numa rápida percepção.

Contudo, por princípio é inegável, mesmo não se simpatizando com o cristianismo, a sua influência na formação cultural e moral do ocidente, que por séculos configurou na consciência das pessoas a visão de mundo a partir das crenças próprias dessa religião, que mesmo sofrendo históricas oposições de inúmeros intelectuais de diversos movimentos e correntes de pensamentos, permanece marcante no imaginário inconsciente dos homens e das mulheres do ocidente a visão personificada do bem e do mal, num antagonismo aberto de combates espirituais, tanto no mundo exterior quanto no interior de cada indivíduo, de Deus e o diabo, das forças celestiais e das forças infernais. Ciente desses fatos, se faz compreensível afirmar a importância que as igrejas cristãs ocupam na atualidade, em suas diferentes doutrinas e confissões cristãs. Todavia, o cenário atual de desenvolvimento econômico das igrejas cristãs evangélicas, dos séculos de poder hegemônico exercido pelo catolicismo ter decaído consideravelmente, da busca do próprio catolicismo de se manter ou recuperar o poder, as novas instruções de ensinamentos cristãos buscam hoje novos modelos de aperfeiçoamento retórico e avanços logísticos para conquistar maior números de fiéis em detrimento da qualidade do ensinamento doutrinário e fundamental da mensagem de Jesus Cristo em busca de se manterem vivos e dominantes dentro da nova realidade de mercado em que a religião fora inserida.

E, constantemente pelo país, novos líderes religiosos surgem no cenário do supermercado da fé promovendo cultos espetaculares, com aparato musical de qualidade e, esses pregadores preparados para entonar a voz, num ritmo alternado,  ao aumentar  e ao diminuir o volume, a suavizar em alguns momentos o discurso e em outros a utilizar um tom agressivo com o objetivo de causar comoção aos seus ouvintes. Por outro lado, os fiéis se encontram inseridos num contexto social marcado pelo individualismo nas relações pessoais, em que a escuta do outro se tornou escasso, e de intensa competição para se alcançar espaços no mercado de trabalho e nas organizações sociais, inclusive nas próprias igrejas. Neste cenário, as pessoas se tornam fragilizadas emocionalmente, socialmente, inseguras economicamente, se tornaram vulneráveis para serem atraídas para armadilhas retóricas das cerimônias religiosas, e se tornarem novas ovelhas contabilizadas para uma determinada igreja. Quando um líder religioso consegue êxito em atrair milhares ou mesmo milhões de fiéis, se autopromove como verdadeiro ungido de Deus, se colocando num patamar superior de humanidade, acima das demais pessoas. Muitos desses líderes buscam legitimidade como missionário do Senhor ao promover cultos com apresentação de shows de curas e testemunhos de milagres, com intuito de se fortalecer como celebridade espiritual na competição no mercado religioso.

Também, é interessante ressaltar que com o discurso retórico os líderes religiosos buscam garantir o lucro de suas igrejas. Com técnicas de oratória que causam comoções emotivas os fiéis se tornam mais propensos em aderir ao pagamento de dízimos e às doações de ofertas e campanhas. E, aqueles fiéis que não conseguem realizar tais pagamentos carregam dentro de si a culpa e a vergonha por não terem contribuído com a obra do Senhor e, que muitas almas se perderão por conta da falta de seus pagamentos e contribuições. Muitas igrejas cristãs também investem em shows musicais, estilo conhecido como gospel (o catolicismo também promove esses shows, mas não utiliza a mesma nomenclatura). Os cantores se apresentam ao grande público como missionários, evangelizadores ou servos do Senhor, e vivem comodamente no mesmo estilo dos artistas musicais ditos profanos, tornando o mercado artístico religioso cada vez mais almejado pelos novos grupos musicais religiosos, intensificando o acúmulo de riqueza do negócio religioso, inserido na dinâmica capitalista, apesar de muitos líderes cristãos proferirem discursos condenatório a este sistema econômico.

No catolicismo, numa tentativa de seu líder maior de ao menos imprimir uma imagem aos seus fiéis de uma igreja institucional que busca vida austera como narra a Sagrada Escritura, como foi a vida de Jesus e seus seguidores, Papa Francisco propôs, em discursos condenatórios aos luxos e opulência vivida pelos cardeais e muitos membros do clero, uma vida de sobriedade e de renúncia às comodidades e as facilidades de uma vida palaciana, para se tornarem coerentes com seus próprios discursos e ensinamentos catequéticos e doutrinais pregados nos púlpitos das paróquias e catedrais. Entretanto, esse papa vem sofrendo retaliação por sua postura e discursos, principalmente a oposição advinda da cúria romana. Os cardeais opositores relatam que eles não fazem oposição, apenas alertas que alguns pronunciamentos do Papa Francisco podem causar confusão nos fiéis e dificuldades na compreensão doutrinária, mas no pano de fundo é a rejeição dos "príncipes de Igreja de  Roma" da atitude de  Papa Francisco propor uma vida sóbria como relatada nos escritos dos evangelhos.

Analisando esta situação, as pessoas tem os mais variados comportamentos em relação às igrejas cristãs. Alguns fiéis buscam seguir os conteúdos doutrinários expostos pelos pregadores sem questionar a validade das informações transmitidas e, se sentem culpadas por não conseguirem seguir todas as normas morais exigidas por eles ou pelos documentos doutrinais das igrejas, sem se dar conta da impossibilidade de viver o estilo moral que lhes exigem, nem os próprios pregadores não vivenciam em seu cotidiano. Há fiéis que escutam as pregações, mas em seu íntimo fazem inúmeros questionamentos e levantam diversas dúvidas, mas guardam para si seu ponto de vista por temer retaliações dos líderes e dos demais fiéis. Mas, encontra-se fiéis que apesar de participar assiduamente dos cultos religiosos, apresentam críticas abertamente, se tornando uma ameaça aos líderes, e por conta disso são afastados das igrejas cristãs. Muitos se afastam das igrejas cristãs após participar por anos dedicados em busca ideal de verdade da fé ao constatar que nesse tempo de inserção nas reuniões religiosas, que as pregações não são coerentes com a prática de vida de quem prega e de quem se diz seguir os conteúdos pregados como servos do Senhor e batizados. Alguns se mantém distantes das igrejas e fazem críticas e elas, e outros são indiferentes à existência e a função delas na sociedade.

É reconhecido que a formação moral do ocidente foi moldada pelos ensinamentos doutrinários de origem judaica-cristã, e que em muitas localidades, no séc. XX, algumas igrejas surgiram como espaços de acolhidas aos mais pobres, principalmente aos migrantes oriundos de outras regiões do país. Nas regiões periféricas dos centros urbanos, as igrejas exerceram o papel de arrefecimento das explosões de violência e em meio à precariedade das políticas públicas as lideranças religiosas tornaram-se mediadores, amenizando os danos causados pelos confrontos violentos. E, também muitas igrejas cristãs se destacaram na organização de movimentos sociais que lutaram em defesa dos direitos humanos. Porém, atualmente se percebe que as igrejas disputam por arrebanhamentos de fiéis, em busca do lucro e da sobrevivência institucional num mundo de intensa concorrência e de confrontos também com número crescente de pessoas indiferentes às igrejas. E, nessa concorrência, muitas vezes se vale mais convencer o fiel pela publicidade, mesmo de conteúdo superficial e falaciosa que pela autenticidade de uma proposta existencial de vida. Diante disso, se pode deixar para a nossa sociedade, em que a visão de mundo foi fortemente marcada pelo imaginário religioso cristão, a reflexão da relevância  das igrejas na sociedade atual  e como elas podem contribuir para confrontar os dilemas sociais, políticos e religiosos em todo este cenário.

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